Este capítulo introdutório procura contextualizar historicamente um período de intensas transformações estruturais na sociedade brasileira, situado entre o final do século XIX e as primeiras décadas do século XX. O Brasil vivenciava um acelerado processo de urbanização, influenciado pelos paradigmas europeus de modernização das cidades, o que ocasionou profundas alterações nas paisagens físicas, sociais e simbólicas do país. Nesse novo cenário, emergiram dinâmicas inéditas de produção e consumo cultural, marcadas pelo fortalecimento da indústria fonográfica e pela consolidação de meios de comunicação de massa, como o rádio. No centro dessas mudanças, o mercado musical brasileiro assumiu um papel estratégico ao moldar, difundir e comercializar bens simbólicos.
A construção de uma identidade camponesa sertaneja nordestina brasileira, amplamente difundida por meio de canções, discursos e manifestações culturais, foi possibilitada por uma série de transformações socioculturais que marcaram o Brasil entre o final do século XIX e as primeiras décadas do século XX. O intenso processo de urbanização, impulsionado pelo crescimento das cidades e pela adoção de paradigmas europeus de modernização urbana, transformou profundamente as paisagens físicas e culturais do país. Nesse contexto, emergiram novas dinâmicas de produção e consumo cultural, fortalecidas pelo surgimento da indústria fonográfica e pela popularização de meios de comunicação como o rádio, que se consolidaram como instrumentos centrais para a difusão de ideias e expressões culturais. No coração dessas mudanças, o mercado musical brasileiro começou a moldar e comercializar bens culturais, criando condições para que gêneros populares, como o Forró, conquistassem espaço crescente nas cidades, conectando o rural e o urbano em um diálogo cultural dinâmico.
O protagonismo de figuras como Frederico Figner (1866-1947) e as estratégias inovadoras adotadas pela nascente indústria fonográfica revelam como o campo da música popular foi integrado a uma lógica mercadológica, reorganizando suas estruturas de produção e distribuição. Frederico foi um empresário, músico e pioneiro da indústria fonográfica no Brasil. Nascido na Boêmia (atual República Tcheca), emigrou para a América do Sul, passando por diversos países antes de se estabelecer no Brasil em 1891. Em 1900, fundou a Casa Edison no Rio de Janeiro, a primeira loja de discos e aparelhos fonográficos do Brasil. A Casa Edison foi crucial para a popularização da música gravada no país, introduzindo o gramofone e discos de cera. Figner também foi o responsável pelas primeiras gravações de música brasileira, contribuindo significativamente para a preservação e disseminação da cultura musical do país.
Além de seu papel na indústria fonográfica, Figner também fundou a fábrica de discos Odeon, que se tornou uma das maiores e mais importantes do setor. Sua contribuição para a música e a tecnologia de gravação no Brasil é imensurável, deixando um legado na história da cultura brasileira (Gonçalves, 2011). Paralelamente, o rádio inaugurou paradigma de alcance cultural, conectando espaços urbanos e rurais e permitindo que expressões culturais regionais, como a música sertaneja nordestina, fossem amplificadas e ressignificadas. Este capítulo investiga como as transformações estruturais do período — desde a modernização urbana até a consolidação da indústria cultural — possibilitaram a formulação e a disseminação de uma identidade cultural que, por meio de ícones como Luiz Gonzaga e de elementos estéticos e musicais, construiu e perpetuou a imagem do sertanejo como símbolo da resistência.
Essa análise busca compreender não apenas os processos históricos que moldaram essa identidade, mas também como esses se entrelaçam com os desafios e as inovações que caracterizaram o mercado musical e as relações culturais da época. Entre os processos históricos relevantes que contribuíram para a propagação e difusão da identidade sertaneja nordestina brasileira, destaca-se um período em que a sociedade brasileira vivenciou profundas mudanças estruturais. Essas transformações abrangeram tanto alterações físicas, como a modernização e a expansão das paisagens urbanas, quanto mudanças culturais, que favoreceram a ressignificação e a adaptação da cultura popular aos padrões urbanos. Entre os anos de 1890 e 1940, um dos principais fatores responsáveis por um grande choque cultural no Brasil foi o crescimento da urbanização e a ampliação das funções urbanas, acompanhados pela influência da cultura europeia, especialmente a francesa.
Nesse contexto, a “elite” dominante brasileira apropriou-se dos pressupostos ideológicos que norteavam a modernização urbanística, como a higienização, o embelezamento e a racionalização do espaço urbano, utilizando-os para justificar intervenções no tecido urbano das cidades. Essas transformações provocaram profundas mudanças em várias cidades brasileiras, sobretudo na capital federal, nas principais capitais estaduais e nas cidades portuárias em expansão (Follis, 2004. p. 27). Nesse período, o desejo dos administradores públicos de modificar o ambiente físico dessas cidades para torná-las civilizadas e modernas tornou-se mais viável e urgente, consolidando projetos que buscavam alinhar o Brasil aos modelos urbanos europeus e promover uma nova configuração urbana que atendesse aos interesses políticos, sociais e econômicos da época.
Houve, assim, uma reestruturação no espaço urbano que possibilitou novas mudanças estruturais, também no âmbito cultural. Um dos fatores que contribuiu para esse processo foi a transferência das residências dos fazendeiros do campo para a cidade. À medida que esses fazendeiros se estabeleceram nos grandes centros, intensificou-se a tendência de promover melhorias urbanas. Foram implementados avanços no sistema de calçamento, iluminação e abastecimento de água, além do aperfeiçoamento dos transportes urbanos. O comércio urbano adquiriu novas dimensões, assim como o artesanato e a manufatura. O interesse por diversões públicas também cresceu, levando à criação de locais apropriados para celebrações, como passeios públicos, cafés-concerto, casas de chope{1}, circos, teatros, clubes e cinemas, entre outros.
Este momento de intensa movimentação cultural, ocasionado pela expansão de novas opções de entretenimento, foi sendo incorporado ao cotidiano urbano das principais cidades brasileiras, como Recife, Salvador e, principalmente, a capital federal, o Rio de Janeiro (Costa, 1994, p.215). Durante essa época, a atividade musical na capital federal iniciou seu processo de expansão e popularização, conquistando gradativamente seu próprio espaço na cidade, com a presença de diversos locais criados para celebrações, que, pouco a pouco, se expandiram para outras cidades brasileiras. Nesse cenário, repleto de possibilidades visíveis de negócios, surgiram novos cantores, compositores, músicos e empresários atentos às múltiplas formas e aos espaços destinados à diversão e ao lazer que a capital federal oferecia e ainda estava por oferecer.
No início do século XX, surgiu o mercado fonográfico brasileiro, que buscava ampliar e criar uma rede de comercialização para os bens culturais. Nesse período, havia um público acostumado ao hábito de consumir música, geralmente em locais destinados ao entretenimento, por meio de partituras. Assim, foi necessário criar um novo hábito de consumo musical e buscar inserção nas mídias disponíveis, a fim de alcançar maior amplitude na divulgação das mercadorias, visando organizar simultaneamente a produção, a distribuição e o consumo. O empresário tcheco Frederico Figner foi um atento observador das expressões musicais e artísticas e, por meio delas, buscou iniciar seus negócios. Ele circulou por diferentes espaços para conhecer e mapear os músicos e cantores de maior expressão e sucesso no cenário musical, com o propósito de convidá-los a gravar suas canções em cilindros.
Ele negociou e dialogou na generalidade desse cenário, influenciando e moldando-o, pois as primeiras gravações no Brasil foram realizadas a partir de sua inserção nesse contexto, no qual ele interagiu e negociou. Foram os diálogos e as trocas com esse mercado musical que lhe permitiram estruturar seu comércio com música gravada e com produtos culturais voltados ao consumo americano. Baseando-se nos pensamentos do filósofo e sociólogo alemão Max Horkheimer, que considerava a publicidade o caminho para criar um vínculo entre os consumidores e as grandes firmas (Adorno, 2002, p. 66), Frederico Figner enxergou na publicidade o meio para consolidar os modernos aparelhos que reproduziam músicas gravadas e, consequentemente, a sua marca. Assim, ele criou uma rede de comércio e divulgação do nome de sua gravadora e de seu elenco de cantores.
Isto é, ele criou meios de divulgação através da publicação dos primeiros catálogos de máquinas falantes e canções registradas no Brasil, dando início à estruturação e expansão de uma rede de negócios para além da capital federal (Gonçalves, 2011), pois Figner identificou uma oportunidade lucrativa para inserir seus empreendimentos. Os impactos provocados pela entrada dos fonógrafos e gramofones, com o início das gravações mecânicas, a tentativa em criar e expandir uma rede de comércio que cobrisse a maioria do território nacional e as negociações com as empresas multinacionais do ramo fonográfico, marcaram profundamente as estruturas do mercado musical no Brasil e serviram para construir as bases para expansão e início do processo de consolidação do mercado fonográfico brasileiro.
Os aparelhos que reproduziam músicas gravadas deram mais autonomia ao som, fizeram com que os indivíduos se identificassem criando laços simbólicos e afetivos com uma música gravada e reproduzida em larga escala; que passou a ser ouvido em qualquer lugar distante do seu local original de produção, como: nas ruas, nos estabelecimentos, e nas residências onde ampliou a experiência e perceptiva no interior do lar, alterando sua rotina diária, compartilhando as músicas reproduzidas com toda a família, por meio de uma espécie de “percepção coletiva” (Benjamin, 1994, p. 189). De posse dos direitos de gravação das músicas, a sua gravadora (Casa Edison), contratou várias bandas militares para elaboração e orquestração de gravação de diversos discos.
Assim como deu início ao processo de profissionalização das carreiras dos cantores por intermédio da negociação dos direitos autorais das suas canções, as estratégias de divulgação, repertório e o ambiente no qual atuavam. A diversidade musical presente nos catálogos da gravadora mostra que os investimentos feitos por Frederico Figner se justificam pela existência de um público que consumia essas canções e pela crescente demanda do mercado de gravações que se formava no Brasil. Em suma, para atrair a atenção do público e criar uma frente de divulgação em vários ambientes da capital federal e em outros estados, ele desenvolveu uma série de ações, como acordos estabelecidos com empresas estrangeiras para comercializar cilindros com músicas de gêneros musicais em voga na Europa, que já alcançavam sucesso no cenário musical da capital federal.
No início do século XX, o empresário Fred Figner destacou-se como um dos principais pioneiros do mercado fonográfico brasileiro, investindo intensamente em estratégias inovadoras de marketing e comunicação visando divulgar seus produtos e expandir seus negócios. Uma de suas mais relevantes iniciativas foi a elaboração e distribuição de catálogos gratuitos, que funcionavam não apenas como instrumentos publicitários, mas também como ferramentas fundamentais para atrair novos clientes e impulsionar as vendas de seus produtos. Em 1900, Figner publicou o primeiro catálogo editado no Brasil contendo anúncios de todos os itens comercializados em sua loja, consolidando esse recurso como um catalisador para a ampliação de sua rede comercial e para a afirmação de sua presença no mercado fonográfico nacional. A partir de 1902, os catálogos passaram a ser confeccionados com o nome de sua gravadora, a “Casa Edison”, sendo que o exemplar daquele ano contava com 54 páginas (Franceschi, 2002).
Figner demonstrava atenção constante às transformações do mercado, publicando continuamente materiais que apresentavam com detalhamento técnico os produtos à venda. Paralelamente a essas ações, seu sócio inglês, Bernard Wilson Shaw, sugeriu a criação de um sistema de consórcio, cuja finalidade era democratizar o acesso às chamadas “máquinas falantes”. Esse modelo permitia que clientes que não dispunham de recursos para o pagamento à vista adquirissem os equipamentos por meio de cotas mensais, além de fomentar a adesão de novos sócios e a divulgação das inovações técnicas à disposição dos consumidores.
A visão empreendedora de Fred Figner levou-o a estabelecer suas atividades na cidade do Rio de Janeiro, então capital federal, onde desenvolveu ações promocionais ousadas para conquistar o público consumidor. Essas estratégias contribuíram significativamente para o êxito de seus empreendimentos, tornando-o um empresário amplamente reconhecido nos mercados musical brasileiro e internacional. Seu sucesso impulsionou o surgimento de outras casas gravadoras no país, como a Casa Ao Bogary, a Columbia Phonograph, a Victor Record, a Favorite Record, a Grand Record Brasil, Discos Phoenix e Disco Gaúcho, entre outras (Cabral, 1996, p. 8), dispostas a comercializar músicas gravadas e a firmar acordos de distribuição exclusiva com empresas estrangeiras, evidenciando a existência de um mercado consumidor em formação na capital federal, interessado nas novidades tecnológicas lançadas na Europa e nos Estados Unidos. Desse modo, gradualmente, começou a se estruturar no país uma rede de negócios e relações envolvendo casas comerciais nacionais e empresas estrangeiras, que se tornaria um negócio próspero e lucrativo (Benjamin, 1994, p. 189).
Ao fim da primeira década do século XX, o mercado musical da capital federal vivenciou um momento de prosperidade devido à sua grande expansão, ao aumento expressivo no número de músicas gravadas e à intensificação das vendas de discos. Os discos de 78 rpm passaram a ter, obrigatoriamente, uma identificação no adesivo colocado no centro do disco, chamado de rótulo, tornando-se um padrão mercadológico caracterizado da seguinte forma: traziam, por extenso, o nome da música, seguido do nome do compositor e do letrista, além da identificação do gênero musical e, por fim, uma numeração correspondente à gravação. O rótulo também continha a logomarca da gravadora ou do selo, seu endereço e outras informações (não obrigatórias) consideradas relevantes, conforme a interpretação de cada gravadora.
Este capítulo introdutório procura contextualizar historicamente um período de intensas transformações estruturais na sociedade brasileira, situado entre o final do século XIX e as primeiras décadas do século XX. O Brasil vivenciava um acelerado processo de urbanização, influenciado pelos paradigmas europeus de modernização das cidades, o que ocasionou profundas alterações nas paisagens físicas, sociais e simbólicas do país. Nesse novo cenário, emergiram dinâmicas inéditas de produção e consumo cultural, marcadas pelo fortalecimento da indústria fonográfica e pela consolidação de meios de comunicação de massa, como o rádio. No centro dessas mudanças, o mercado musical brasileiro assumiu um papel estratégico ao moldar, difundir e comercializar bens simbólicos.
A construção de uma identidade camponesa sertaneja nordestina brasileira, amplamente difundida por meio de canções, discursos e manifestações culturais, foi possibilitada por uma série de transformações socioculturais que marcaram o Brasil entre o final do século XIX e as primeiras décadas do século XX. O intenso processo de urbanização, impulsionado pelo crescimento das cidades e pela adoção de paradigmas europeus de modernização urbana, transformou profundamente as paisagens físicas e culturais do país. Nesse contexto, emergiram novas dinâmicas de produção e consumo cultural, fortalecidas pelo surgimento da indústria fonográfica e pela popularização de meios de comunicação como o rádio, que se consolidaram como instrumentos centrais para a difusão de ideias e expressões culturais. No coração dessas mudanças, o mercado musical brasileiro começou a moldar e comercializar bens culturais, criando condições para que gêneros populares, como o Forró, conquistassem espaço crescente nas cidades, conectando o rural e o urbano em um diálogo cultural dinâmico.
O protagonismo de figuras como Frederico Figner (1866-1947) e as estratégias inovadoras adotadas pela nascente indústria fonográfica revelam como o campo da música popular foi integrado a uma lógica mercadológica, reorganizando suas estruturas de produção e distribuição. Frederico foi um empresário, músico e pioneiro da indústria fonográfica no Brasil. Nascido na Boêmia (atual República Tcheca), emigrou para a América do Sul, passando por diversos países antes de se estabelecer no Brasil em 1891. Em 1900, fundou a Casa Edison no Rio de Janeiro, a primeira loja de discos e aparelhos fonográficos do Brasil. A Casa Edison foi crucial para a popularização da música gravada no país, introduzindo o gramofone e discos de cera. Figner também foi o responsável pelas primeiras gravações de música brasileira, contribuindo significativamente para a preservação e disseminação da cultura musical do país.
Além de seu papel na indústria fonográfica, Figner também fundou a fábrica de discos Odeon, que se tornou uma das maiores e mais importantes do setor. Sua contribuição para a música e a tecnologia de gravação no Brasil é imensurável, deixando um legado na história da cultura brasileira (Gonçalves, 2011). Paralelamente, o rádio inaugurou paradigma de alcance cultural, conectando espaços urbanos e rurais e permitindo que expressões culturais regionais, como a música sertaneja nordestina, fossem amplificadas e ressignificadas. Este capítulo investiga como as transformações estruturais do período — desde a modernização urbana até a consolidação da indústria cultural — possibilitaram a formulação e a disseminação de uma identidade cultural que, por meio de ícones como Luiz Gonzaga e de elementos estéticos e musicais, construiu e perpetuou a imagem do sertanejo como símbolo da resistência.
Essa análise busca compreender não apenas os processos históricos que moldaram essa identidade, mas também como esses se entrelaçam com os desafios e as inovações que caracterizaram o mercado musical e as relações culturais da época. Entre os processos históricos relevantes que contribuíram para a propagação e difusão da identidade sertaneja nordestina brasileira, destaca-se um período em que a sociedade brasileira vivenciou profundas mudanças estruturais. Essas transformações abrangeram tanto alterações físicas, como a modernização e a expansão das paisagens urbanas, quanto mudanças culturais, que favoreceram a ressignificação e a adaptação da cultura popular aos padrões urbanos. Entre os anos de 1890 e 1940, um dos principais fatores responsáveis por um grande choque cultural no Brasil foi o crescimento da urbanização e a ampliação das funções urbanas, acompanhados pela influência da cultura europeia, especialmente a francesa.
Nesse contexto, a “elite” dominante brasileira apropriou-se dos pressupostos ideológicos que norteavam a modernização urbanística, como a higienização, o embelezamento e a racionalização do espaço urbano, utilizando-os para justificar intervenções no tecido urbano das cidades. Essas transformações provocaram profundas mudanças em várias cidades brasileiras, sobretudo na capital federal, nas principais capitais estaduais e nas cidades portuárias em expansão (Follis, 2004. p. 27). Nesse período, o desejo dos administradores públicos de modificar o ambiente físico dessas cidades para torná-las civilizadas e modernas tornou-se mais viável e urgente, consolidando projetos que buscavam alinhar o Brasil aos modelos urbanos europeus e promover uma nova configuração urbana que atendesse aos interesses políticos, sociais e econômicos da época.
Houve, assim, uma reestruturação no espaço urbano que possibilitou novas mudanças estruturais, também no âmbito cultural. Um dos fatores que contribuiu para esse processo foi a transferência das residências dos fazendeiros do campo para a cidade. À medida que esses fazendeiros se estabeleceram nos grandes centros, intensificou-se a tendência de promover melhorias urbanas. Foram implementados avanços no sistema de calçamento, iluminação e abastecimento de água, além do aperfeiçoamento dos transportes urbanos. O comércio urbano adquiriu novas dimensões, assim como o artesanato e a manufatura. O interesse por diversões públicas também cresceu, levando à criação de locais apropriados para celebrações, como passeios públicos, cafés-concerto, casas de chope{1}, circos, teatros, clubes e cinemas, entre outros.
Este momento de intensa movimentação cultural, ocasionado pela expansão de novas opções de entretenimento, foi sendo incorporado ao cotidiano urbano das principais cidades brasileiras, como Recife, Salvador e, principalmente, a capital federal, o Rio de Janeiro (Costa, 1994, p.215). Durante essa época, a atividade musical na capital federal iniciou seu processo de expansão e popularização, conquistando gradativamente seu próprio espaço na cidade, com a presença de diversos locais criados para celebrações, que, pouco a pouco, se expandiram para outras cidades brasileiras. Nesse cenário, repleto de possibilidades visíveis de negócios, surgiram novos cantores, compositores, músicos e empresários atentos às múltiplas formas e aos espaços destinados à diversão e ao lazer que a capital federal oferecia e ainda estava por oferecer.
No início do século XX, surgiu o mercado fonográfico brasileiro, que buscava ampliar e criar uma rede de comercialização para os bens culturais. Nesse período, havia um público acostumado ao hábito de consumir música, geralmente em locais destinados ao entretenimento, por meio de partituras. Assim, foi necessário criar um novo hábito de consumo musical e buscar inserção nas mídias disponíveis, a fim de alcançar maior amplitude na divulgação das mercadorias, visando organizar simultaneamente a produção, a distribuição e o consumo. O empresário tcheco Frederico Figner foi um atento observador das expressões musicais e artísticas e, por meio delas, buscou iniciar seus negócios. Ele circulou por diferentes espaços para conhecer e mapear os músicos e cantores de maior expressão e sucesso no cenário musical, com o propósito de convidá-los a gravar suas canções em cilindros.
Ele negociou e dialogou na generalidade desse cenário, influenciando e moldando-o, pois as primeiras gravações no Brasil foram realizadas a partir de sua inserção nesse contexto, no qual ele interagiu e negociou. Foram os diálogos e as trocas com esse mercado musical que lhe permitiram estruturar seu comércio com música gravada e com produtos culturais voltados ao consumo americano. Baseando-se nos pensamentos do filósofo e sociólogo alemão Max Horkheimer, que considerava a publicidade o caminho para criar um vínculo entre os consumidores e as grandes firmas (Adorno, 2002, p. 66), Frederico Figner enxergou na publicidade o meio para consolidar os modernos aparelhos que reproduziam músicas gravadas e, consequentemente, a sua marca. Assim, ele criou uma rede de comércio e divulgação do nome de sua gravadora e de seu elenco de cantores.
Isto é, ele criou meios de divulgação através da publicação dos primeiros catálogos de máquinas falantes e canções registradas no Brasil, dando início à estruturação e expansão de uma rede de negócios para além da capital federal (Gonçalves, 2011), pois Figner identificou uma oportunidade lucrativa para inserir seus empreendimentos. Os impactos provocados pela entrada dos fonógrafos e gramofones, com o início das gravações mecânicas, a tentativa em criar e expandir uma rede de comércio que cobrisse a maioria do território nacional e as negociações com as empresas multinacionais do ramo fonográfico, marcaram profundamente as estruturas do mercado musical no Brasil e serviram para construir as bases para expansão e início do processo de consolidação do mercado fonográfico brasileiro.
Os aparelhos que reproduziam músicas gravadas deram mais autonomia ao som, fizeram com que os indivíduos se identificassem criando laços simbólicos e afetivos com uma música gravada e reproduzida em larga escala; que passou a ser ouvido em qualquer lugar distante do seu local original de produção, como: nas ruas, nos estabelecimentos, e nas residências onde ampliou a experiência e perceptiva no interior do lar, alterando sua rotina diária, compartilhando as músicas reproduzidas com toda a família, por meio de uma espécie de “percepção coletiva” (Benjamin, 1994, p. 189). De posse dos direitos de gravação das músicas, a sua gravadora (Casa Edison), contratou várias bandas militares para elaboração e orquestração de gravação de diversos discos.
Assim como deu início ao processo de profissionalização das carreiras dos cantores por intermédio da negociação dos direitos autorais das suas canções, as estratégias de divulgação, repertório e o ambiente no qual atuavam. A diversidade musical presente nos catálogos da gravadora mostra que os investimentos feitos por Frederico Figner se justificam pela existência de um público que consumia essas canções e pela crescente demanda do mercado de gravações que se formava no Brasil. Em suma, para atrair a atenção do público e criar uma frente de divulgação em vários ambientes da capital federal e em outros estados, ele desenvolveu uma série de ações, como acordos estabelecidos com empresas estrangeiras para comercializar cilindros com músicas de gêneros musicais em voga na Europa, que já alcançavam sucesso no cenário musical da capital federal.
No início do século XX, o empresário Fred Figner destacou-se como um dos principais pioneiros do mercado fonográfico brasileiro, investindo intensamente em estratégias inovadoras de marketing e comunicação visando divulgar seus produtos e expandir seus negócios. Uma de suas mais relevantes iniciativas foi a elaboração e distribuição de catálogos gratuitos, que funcionavam não apenas como instrumentos publicitários, mas também como ferramentas fundamentais para atrair novos clientes e impulsionar as vendas de seus produtos. Em 1900, Figner publicou o primeiro catálogo editado no Brasil contendo anúncios de todos os itens comercializados em sua loja, consolidando esse recurso como um catalisador para a ampliação de sua rede comercial e para a afirmação de sua presença no mercado fonográfico nacional. A partir de 1902, os catálogos passaram a ser confeccionados com o nome de sua gravadora, a “Casa Edison”, sendo que o exemplar daquele ano contava com 54 páginas (Franceschi, 2002).
Figner demonstrava atenção constante às transformações do mercado, publicando continuamente materiais que apresentavam com detalhamento técnico os produtos à venda. Paralelamente a essas ações, seu sócio inglês, Bernard Wilson Shaw, sugeriu a criação de um sistema de consórcio, cuja finalidade era democratizar o acesso às chamadas “máquinas falantes”. Esse modelo permitia que clientes que não dispunham de recursos para o pagamento à vista adquirissem os equipamentos por meio de cotas mensais, além de fomentar a adesão de novos sócios e a divulgação das inovações técnicas à disposição dos consumidores.
A visão empreendedora de Fred Figner levou-o a estabelecer suas atividades na cidade do Rio de Janeiro, então capital federal, onde desenvolveu ações promocionais ousadas para conquistar o público consumidor. Essas estratégias contribuíram significativamente para o êxito de seus empreendimentos, tornando-o um empresário amplamente reconhecido nos mercados musical brasileiro e internacional. Seu sucesso impulsionou o surgimento de outras casas gravadoras no país, como a Casa Ao Bogary, a Columbia Phonograph, a Victor Record, a Favorite Record, a Grand Record Brasil, Discos Phoenix e Disco Gaúcho, entre outras (Cabral, 1996, p. 8), dispostas a comercializar músicas gravadas e a firmar acordos de distribuição exclusiva com empresas estrangeiras, evidenciando a existência de um mercado consumidor em formação na capital federal, interessado nas novidades tecnológicas lançadas na Europa e nos Estados Unidos. Desse modo, gradualmente, começou a se estruturar no país uma rede de negócios e relações envolvendo casas comerciais nacionais e empresas estrangeiras, que se tornaria um negócio próspero e lucrativo (Benjamin, 1994, p. 189).
Ao fim da primeira década do século XX, o mercado musical da capital federal vivenciou um momento de prosperidade devido à sua grande expansão, ao aumento expressivo no número de músicas gravadas e à intensificação das vendas de discos. Os discos de 78 rpm passaram a ter, obrigatoriamente, uma identificação no adesivo colocado no centro do disco, chamado de rótulo, tornando-se um padrão mercadológico caracterizado da seguinte forma: traziam, por extenso, o nome da música, seguido do nome do compositor e do letrista, além da identificação do gênero musical e, por fim, uma numeração correspondente à gravação. O rótulo também continha a logomarca da gravadora ou do selo, seu endereço e outras informações (não obrigatórias) consideradas relevantes, conforme a interpretação de cada gravadora.
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