DANÇA DE SALÃO


Segundo Clifford James Geertz a burguesia utilizou as artes para propagar suas ideias (séculos XIV a XVI), portanto, surgiu a necessidade de diferenciar as Danças do Campo, das Danças de Concerto ou Danças de Salão. Contudo, Maria Amália Giffoni afirmou que as Danças Campestres(1) foram adaptadas aos gostos das cortes(2) a partir do século XV pela burguesia. Ressalto que antes dos grandiosos bailes existiam eventos aristocráticos, chamados de Cull, onde era apresentado: poesias, músicas e as chamadas - danças sociais. Entretanto, na metade do século XVIII, a dança torna-se a principal atração; ou seja, um espetáculo à parte. Sendo assim, friso que nenhuma outra atividade representou melhor o espírito burguês do que o baile, palco principal para a demonstração de comportamentos “refinados”, do vestuário rico e das danças graciosas.
Evidencio que as festividades – que anteriormente eram relegadas apenas ao plano religioso (novenas, missas, procissões, dentre outros) ou político (nascimento de príncipes, casamentos ou aniversário de reis e rainhas portugueses e seus descendentes) – renovam-se para outro aspecto, o mundano. Não que isso queira dizer que as festividades ou sociabilidades não existissem anteriormente, contudo eram em menor proporção; ou seja, de forma mais restrita. Durante as festividades religiosas, principal momento de contato com outras pessoas – além do círculo da burguesia, o caráter profano das festas acompanhava de perto essas celebrações, mas era peremptoriamente proibido para “elite” sendo relegadas aos servos. A formação das danças aristocráticas mais comum eram de quatro pares, como informou o coreógrafo(3) britânico Thomas Wilson, em 1808(4).

Os movimentos corporais eram previamente estabelecidos apenas pela imaginação do coreógrafo. Tais performances pertencentes a uma coreografia eram interagidas por pares de dançarinos com movimentos sincronizados, exemplo: monteleno. Ressalto que à medida em que esses conjuntos de movimentos ficavam mais complexos, famílias ricas contratavam instrutores de dança para treinar seus filhos, além de comprar os grandes manuais de dança que circulavam na Europa e América, detalhando as figuras e seus passos. Sendo assim, esses profissionais acumulavam várias funções, pois ele ensinava a dança (professor), poderia criar coreografias (coreógrafo) e depois chamar as figuras enquanto as pessoas dançavam (chamador). Observe o depoimento dado em 1820, pelo profissional citado anteriormente: “Country Dance Figures são certos movimentos ou direções formadas em Circular, Meio Circular, Serpentina, Angular, Linhas retas, etc. desenhados em diferentes comprimentos, adaptados às várias cepas de música de dança de país(5)”.

Declaro que a dança como formato de acontecimento social foi tornando-se cada vez mais difundida e por consequência disto posteriormente foram adaptadas formas musicais mais apropriadas para acompanhar estas ocasiões(6). Evidencio que 1651 encontramos registros de uma forma simplificada de notação musical por John Playford no The English Dancing Master, onde cada uma era um arranjo para coreografias exclusivas. Friso, que essa obra continha uma lista de aproximadamente cem coreografias com suas respectivas músicas. Elas foram reimpressas constantemente por 80 anos, tornando-se populares por muito tempo. Playford e seus sucessores detinham o monopólio prático da publicação de manuais de dança até 1711 e deixaram de ser publicados por volta de 1728. André Lorin visitou a corte inglesa no final do século XVII e apresentou um manuscrito de danças de maneira inglesa a Luís XIV em seu retorno à França. Em 1706, Raoul Auger Feuillet publicou seu Recueil de Contradances, uma coleção de “contredanses anglaises” demonstrando também uma forma simplificada de notação de Beauchamp-Feuillet e incluindo algumas danças inventadas pelo autor, bem como autênticas danças inglesas. Este foi posteriormente traduzido para o inglês por John Essex e publicado na Inglaterra como o Further Improvement of Dancing. 

Fig. 01- Manuscrito de uma das primeiras notações de dança ocidental.
               
Uma das primeiras danças da corte na Europa, foi a Minueto que era dançada em grupos e com movimentos sincronizados, semelhantes: a Pavana e a Gavota. Elas conquistaram toda a sociedade no século XVIII e ao longo do século XIX, essa expressão de lazer assumiu um caráter modernista; isto é, o ato da dança nesse momento simbolizava a evolução das formas de lazer que antes eram pensadas para grupos. Sendo assim, as danças de salão assumiram uma variedade de formas, incluindo conjuntos finitos para dois, três e quatro casais, além de círculos e quadrados, ou seja, elas foram se fragmentando para grupos cada vez menores, como: o pas de quatre(7), chegando finalmente ao pas de deux(8) e esse processo foi alvo de atenção e críticas(9).
Esclareço que no período compreendido como II Império (1841-1889), a sociedade brasileira conheceu diversas mudanças estruturais, sejam elas físicas com transformações na paisagem urbana, como também cultural, o comportamento dos burgueses brasileiros gradativamente foi se alterando, buscando adaptar e se equiparar àqueles que eram considerados como o exemplo máximo de civilidade; o europeu, mais precisamente o francês. Sendo assim, os usos e costumes definidos por esse grupo foram importados e introjetados no Brasil, ou seja, causou-se um grande choque cultural que rapidamente foi assimilado ditando modas e modos. Isto é, foi apresentado ao Brasil barroco novas formas de convivência e oportunidades de diversão, fatos que permitiram outras influências nas formas de se viver a cidade, criando e abrindo novos espaços para as sociabilidades.

O caráter mundano das festas e reuniões sociais dava um novo tom às relações sociais, estes momentos de convívio coletivo representavam muito mais do que um encontro com outras pessoas, mas também uma troca cultural dinâmica que transmitiam aos da terra um verdadeiro encantamento levando-os a busca pelo grau de civilidade determinado pelas sociedades europeias. Onde antes as festividades e o lazer estavam geralmente atrelados aos ritos básicos da vida como o nascimento, o batismo e o casamento, neste momento se multiplicavam em soirês, saraus, jantares, passeios, visitas sociais e a prática de esportes. Para isso houve uma reformulação no espaço urbano – criando locais propícios para sua celebração como teatros, clubes, passeios públicos etc. Vão sendo incorporados ao cotidiano urbano das principais cidades brasileiras como Recife, Salvador e principalmente no Rio de Janeiro – fortemente influenciadas pela cultura burguesa europeia(10).

Foram difundidas algumas danças(11) europeias no Brasil, já citadas anteriormente, consideradas civilizadas para execução em bailes sofisticados e grandes eventos sociais. A “elite” burguesa no Brasil teve a preocupação de ter pessoas qualificadas para transmitir os conceitos da dança de salão e lhes ensinar as normas de civilidade que descriminou a forma coerente para usos e costumes aceitáveis perante a monarquia. Sendo assim, foram importados da Europa profissionais da dança, denominados coreógrafos, que tinham a função de identificar qual dança era civilizada, ou seja, coerente para a burguesia executar, além de determinar como seria realizada a cerimônia. Ressalto que a literatura que aborda a Dança de Salão no Brasil não disponibiliza muitas informações sobre o século XIX(12). Segundo Luis Ellmerich, a identificação de professores de dança em certa localidade e tempo é importante para o estudo histórico, servindo como índice de quanto se dançava.

Então, através do estudo de periódicos(13), encontramos anúncios de aulas de dança de salão a partir de 1829, em Pernambuco no século XIX(14). Além de Angelo Chaves quem também anunciou nos periódicos pernambucanos em 1842, foram os professores: Carolina Wanimeill, Juan Wanimeill(15). Maria A. C. Giffoni(16) destacou o casal Filipe e Carolina Caton (que em 1845 realizou um curso para ensinar dança de salão no Rio de Janeiro); também surgem o par: Vecchi e Farina. Inclusive, em 1851, chegou ao país o professor de dança e coreógrafo José Maria Toussaint(17) para lecionar a corte no Brasil. Além disso, encontramos anúncios a partir de 1878 de alguns colégios de educação formal ofereceram aulas de dança aos seus alunos como parte integrante da educação. Exemplo de colégios: Collegio Popular, Collegio da Santíssima Trindade entre outros.

Enfim, no século XIX(22) passou a existir grandes eventos sociais no país e por meio disso começou a serem compostas(23) várias músicas nos gêneros musicais citados anteriormente. Destaco que em 1856, foi impresso o primeiro álbum de danças de salão(24) no Brasil, chamado “Rio de Janeiro: Álbum pitoresco-musical(25)”, no qual continha sete danças de salão com nomes de regiões da Província do Rio de Janeiro(26). São elas:

1. Demétrio Rivero – Botafogo (quadrilha);
2. Eduardo [Medina] Ribas – Gloria (polca);
3. Salvador Fabregas – Jardim Botânico (valsa);
4. Geraldo Horta – Boa viagem (redowa);
5. Quintino dos Santos – São Cristóvão (schottisch);
6. J. J. Goyanno – Tijuca (polca-mazurca);
7. A. Campos – Petrópolis (quadrilha).

Types of Dance A History of Social Dance

Concluindo, observamos historicamente por meio de conceitos distintos que a dança identificada como: “Bela dançe” ou “Barroca” era executada dentro de um conceito anatômico construída por meio de coreografias contidas dentro de uma condensação de figuras geométricas através de uma simetria corporal executada pelos bailarinos que realizavam repetidas seqüências pré-definidas de figuras, cuidadosamente projetadas para se ajustar a uma música fixa; ou seja, essas figuras eram limitadas apenas pela imaginação do coreógrafo. Característica rudimentar que é empregada ainda hoje pelos dançarinos de formação originaria das "danças de concerto e/ou danças de salão”. Embora, o historiador pernambucano Pereira da Costa revelou que no subúrbio a estrutura das danças de concerto e/ou danças de salão foram desaparecendo para dar lugar ao Pas-de-Quatre e posteriormente houve um processo natural, onde predominou o formato Pas de Deux (observe o vídeo abaixo). Por fim, ressalto que algumas informações contidas nesta pesquisa baseia-se nos relatos de viajantes estrangeiros no século XIX, como: Koster, Maria Graham, Tollenare dentre outros. 

TEXTO ATUALIZADO - 10/01/2023.
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RODAPÉ

1- Movimento cultural intenso, que começou no século XIV nas cidades italianas e posteriormente se propagou pela Europa.
2- Entendemos nesse período a burguesia como sendo grandes comerciantes, profissionais como artesãos entre outros.
3- Os burgueses constituíram um conceito de normas de civilidade que discriminava a forma coerente para usos e costumes. Sendo assim, surgiu na dança um profissional denominado pela elite burguesa de coreógrafo. Ele tinha a função de identificar qual dança era civilizada; ou seja, coerente para a nobreza executar e determinava como seria realizada a cerimônia.
4- WILSON, 1820.
5- Ibidem, 1808.
6- ANDRADE, 1989, p. 548 - 549.
7- Originária da França, o Pas de Quatre – significa dois casais.
8- O Pas de Deux – significa um casal.
9- CORBIN, 2001. p. 300.
10- A predileção como já foi mencionada era sem dúvidas pela cultura francesa, embora a inglesa permeasse em alguns aspectos (como na educação e moda masculina, por exemplo).
11- Sendo as principais a quadrilha, a polca, a valsa, a redowa e a schottisch e a mazurca.
12- A digitalização de documentos produzidos no século XIX, como jornais, revistas, livros e outros, permite que as sociedades das diferentes épocas e localidades sejam conhecidas e características peculiares sejam identificadas, como, por exemplo, o ensino e a prática das Danças de Baile. No século XIX, em Pernambuco, houve produção de periódicos que vêm sendo disponibilizados para consulta digital pela Hemeroteca Digital Brasileira.
13- Periódicos: A província, Almanak Administrativo, Mercantil, Industrial e Agricula, O diário novo.
14- O “Cruzeiro Jornal Politico, Literario e Mercantil” de 31 de julho de 1829, da Typografia do Cruzeiro, de Pernambuco, traz o anúncio mais antigo encontrado nesta pesquisa: “Angelo Chaves Dansarino tem sala de danças de novo methodo Francez na rua da Cruz do Recife, no. 18, em que ensinara o que requer uma educação cuidadosa, sendo a dança huma quallidade que embelesa e orna as pessoas civilizadas. Assignatura mensal serà a preço modico em attenção à concorrência que houver. O Mestre de Dança se offerece a dirigir em cazas particulares os Bailes que se destinarem, assim como dar lições nas Cazas onde lhe fizeram a honra de o chamarem”.
15- Em 1842, são encontradas publicações sobre espetáculos de danças em intervalos ou finais de peças teatrais, executadas pelo casal Wanimeill. Destaco que ofereciam aulas para meninos e meninas na Rua do Sol, no Recife-PE.
16- GIFFONI, 1974, p. 34.
17- BARRETO/PEREIRA, 2002, p.92.
18- Conhecendo-se, atualmente, inúmeros exemplares impressos e manuscritos da época.
19- Ela era executada principalmente ao piano (instrumento já comum nas casas ricas a partir da década de 1830) ou em pequenos conjuntos instrumentais que mesclavam cordas e sopros.
20- Através da documentação pesquisada até o atual momento a expressão “dança de salão”, foi identificada pela primeira no Brasil em 1869.
21- LAFORGE/MARTINET, 1856, p.24.
22- A maioria do município do Rio de Janeiro. Elas são precedidas de litogravuras do referido bairro por Alfred Martinet. É uma obra de grande interesse histórico tanto pelo conteúdo musical quanto pelo iconográfico.
23- Uma característica linear da dança de salão, é que os movimentos corporais são previamente estabelecidos por um coreógrafo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANDRADE, Mário de. Dicionário musical brasileiro; coordenação Oneyda Alvarenga, 1982-84, Flávia Camargo Toni, 1984-89. Belo Horizonte, Itatiaia; [Brasília], Ministério da Cultura; São Paulo, Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo e Editora da Universidade de São Paulo, 1989.

BARRETO, José Ricardo Paes; PEREIRA, Margarida Maria de Souza Pereira (Org.). Festejos Juninos: uma tradição nordestina. – Recife: Nova Presença; 2002.

CORBIN, Alain. História dos tempos livres: o advento do lazer. – Lisboa: Ed. Teorema, 2001.

ELLMERICH, Luis. História da dança. 4ª. edição revisada e ampliada. São Paulo. Editora Nacional. 1987.

GIFFONI, Maria Amália Corrêa. Danças da corte; danças dos salões brasileiros de ontem e de hoje. São Paulo, Depto de Educação Física e Desporos do MEC, 1974. (Caderno Cultural, v. 2).

GUEDES, Marymarcia; Berlinck, Rosane de Andrade. E os preços eram cômodos... Anúncios de jornais brasileiros, século XIX. São Paulo, Humanitas, FFLCH/USP, 2000.

LAFORGE, P./ MARTINET, Alfred. Rio de Janeiro: Álbum pitoresco-musical. Rio de Janeiro: P. Laforge e sucess, 1856.

PINHO, Wanderley. Salões e Damas do Segundo Reinado. 4ª. Edição. São Paulo. Livraria Martins Editora, 1970.

THOMAS, Wilson. A Companion to the Ballroom, London, 1820. 

VASCONCELOS, Ary. Panorama da música popular brasileira na "Belle Époque". Rio de Janeiro: Livraria Sant’Anna LTDA, 1977.

WILSON, Thomas. An Analysis of Country Dancing. London: W. Calvert, 1808.

ZAMONER, Maristela. Dança de Salão, conceitos e definições fundamentais. Curitiba. Protexto. 2013.


PERIÓDICO


CASTAGNA, Paulo. A música urbana de salão no século XIX. São Paulo: UNESP, 2003. Apostila do curso História da Música Brasileira Instituto de Artes da UNESP.




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