APRESENTAÇÃO

INTRODUÇÃO

Para uma melhor compreensão da constituição textual da identidade empregada nas músicas, analisaremos duas canções criadas por Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira. A primeira, foi intitulada de Estrada de Canindé (Gonzaga; Teixeira, 1950) e a segunda chama-se Asa Branca (Gonzaga; Teixeira, 1950). A abordagem que será empregada nesta análise inclui elementos do campo dos Estudos em Música Popular, conforme descrito por Marcos Napolitano (2007), que dialogará com disciplinas como Sociologia, Antropologia e História, permitindo que a obra seja explorada como um documento cultural multifacetado.


Diferentemente de uma análise que priorizaria a Musicologia Histórica, centrada no estudo técnico de partituras e formas eruditas, ou a Etnomusicologia, que enfoca as manifestações musicais comunitárias de caráter ritualístico ou integrador, o estudo desta canção como fonte histórica buscará compreender suas conexões com o contexto social, cultural e econômico do Brasil de sua época. Essa perspectiva permite abordar a canção não apenas como uma expressão artística, mas como uma representação das dinâmicas culturais e sociais vivenciadas no Nordeste brasileiro, especialmente diante das transformações geradas pela urbanização e pela industrialização cultural.


Segundo a musicista Elba Braga Ramalho (2000), a escolha do estilo declamatório aliado a uma estrutura simétrica nas canções nordestinas não é meramente acidental, mas profundamente enraizada na relação íntima entre o cotidiano sertanejo e sua pulsação musical cultural. As atividades do dia a dia no sertão, como o trabalho no campo, o pisar do pilão, o manejo da enxada e os rituais religiosos, são marcadas por uma cadência própria, que se traduz em ritmos e melodias na expressão musical da região. Essa pulsação intrínseca reflete como o sertanejo organiza e percebe o tempo, transformando suas vivências em arte. O estilo declamatório, caracterizado pela predominância de uma melodia subordinada ao ritmo das palavras, é especialmente eficaz na representação dessas vivências.


Ele permite que as letras transmitam com clareza as narrativas do cotidiano, ao mesmo tempo, em que reforçam uma estrutura sonora que dialoga diretamente com as práticas culturais do sertão. Quando combinado com uma estrutura simétrica – composta por frases musicais organizadas de forma equilibrada e repetitiva –, o resultado é uma musicalidade cativante e acessível, que ecoa as tradições orais e os desafios dos cantadores nordestinos. Gonzaga buscou, por meio de suas lembranças do sincretismo nordestino, adaptar melodias e adequar determinadas progressões de acordes , baseando-se na influência das cadências dos campos moldais, muito presentes em sua infância (Tiné, 2008, p.98).


Nesse contexto, Gonzaga aplicou, intuitivamente, um processo de criação por meio de signos sensoriais, visando sensibilizar os migrantes nordestinos. Segundo o musicólogo Charles Seeger – para que algo possa ser um signo, esse algo deve ‘representar’ alguma outra coisa; ou seja, o conceito de signo se estabelece quando é arquitetado através da associação de um item que represente algo; seja ele um som, uma imagem, ou um elemento que chame à mente lembranças de uma situação específica. Por exemplo, no cristianismo católico o maior signo desta religião é a cruz, ao representar na mente do devoto, todo um conjunto de sensações ligadas à imagem de Jesus Cristo crucificado (Peirce, 2010. p. 7).


Assim, procurava despertar neles um sentimento de saudade pelo Nordeste, evocando a memória individual, remetendo-os à infância, à terra natal e ao lugar de origem. Ele também pesquisou uma sonoridade no acordeão em modo de piano (instrumento conhecido na região Nordeste do Brasil como sanfona) que se assemelha à da rabeca e do pífano, instrumentos típicos das regiões de seu público-alvo. Além disso, adaptou uma técnica de execução do acordeão diatônico (denominado no sertão nordestino como sanfona de oito baixos), conhecida como “miudinho”, para ser aplicada na sanfona em modo de piano. Esse processo teve como objetivo fortalecer a conexão entre memória e timbre, proporcionando uma experiência musical enraizada na cultura nordestina.


TEXTO ATUALIZADO - 11/12/2025.


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REFERENCIAS


BIBLIOGRÁFICAS
NAPOLITANO, Marcos. A síncope das idéias: a questão da tradição na música popular brasileira. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2007. Coleção História do Povo Brasileiro.
PIERCE, Charles Sanders. Semiótica. Trad. José Teixeira Coelho Neto. São Paulo: Perspectiva, 2010.
RAMALHO, Elba Braga. Luiz Gonzaga: A Síntese Poética e musical do sertão. São Paulo: Terceira Margem, 2000.


TESES
TINÉ, Paulo José de Siqueira. Procedimentos modais na música brasileira: do campo étnico do Nordeste ao popular da década de 1960. 2008. Tese (Doutorado em Música) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008.


FONOGRÁFICAS
ASA Branca. Intérprete: Luiz Gonzaga. Compositores: Humberto Teixeira e Luiz Gonzaga. São Paulo: RCA, 1947. 1 disco (16 min.): 78 rpm, microssulcos, mono. L. B (Reg. N°800510b).
ESTRADA de Canindé. Intérprete: Luiz Gonzaga. Compositores: Humberto Teixeira e Luiz Gonzaga. São Paulo: RCA Victor 1950. 1 disco (16 min.): 78 rpm, microssulcos, mono. L. B (Reg. N°800744b).

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5 Comentários

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  2. Rapaz, o primeiro forró gravado foi Forró de Mané Vito, de Gonzaga, ou Forró da Roça (Manuela Queiroz e Xerém - 1937)?

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    1. Convido-lhe a ler o texto intitulado de "significado da palavra Forró". Onde é abordado sobre sua dúvida.

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