HISTÓRIA DA ZABUMBA

CAIXA-GAITEIRO

História da Zabumba

Na África, os cânticos e os batuques sempre foram presentes nas etnias africanas, assim como os conhecimentos orais, transmitidos de geração a geração, isto é, eles utilizavam os cânticos e os batuques como instrumentos educacionais secundários, proporcionando aos alunos aulas didáticas, atingindo com êxito seus objetivos, que era transmitir aos novos, o conhecimento sobre seu povo(1). Os instrumentos percussivos na ancestralidade são cercados de simbologias e tinham um papel importante no processo de rituais de aprendizado e religiosidade. Na África, os tambores eram fendidos para a transmissão de sinais. Ressalto que dependendo do povo, da etnia e região, os tambores tinham adjetivos distintos, tais como: zambê, alfaia, zabumba; cada nome deste citado referia-se a uma função social que o tambor representaria. Evidencio que a “zambomba” chegou na Europa pela Península Ibérica(2) nas regiões de Portugal e Espanha durante o século VIII, período da decadência do reino visigótico e a partir de 711 d.C. os mouros(3) juntos com os árabes através do Norte de África, conquistaram a maior parte do território da península Ibérica (que ficou sendo chamado â Al- ndalus). Eles permaneceram sob o controle da região por quase oito séculos. 

MAPA DA IDADE MÉDIA - SÉCULO VIII

Segundo o filólogo escocês e naturalista William Balfour Baikie afirmou que após a “zambomba” ser introduzida em Portugal e Espanha, secundariamente chegou a outros países, como: França, Itália, Romênia, Alemanha, Holanda e Bélgica. Friso que o historiador, musicólogo e folclorista potiguar Luís da Câmara Cascudo contesta a nacionalidade do instrumento, pois ele acreditava que sua origem é árabe e ele foi introduzido na cultura de alguns povos semitas africanos originários da península da Arábia (península do sudoeste da Ásia, situada entre o mar Vermelho e o golfo Pérsico); ou seja, houve um processo de hibridismo mediante a cultura árabe nos povos beduínos(4). Entretanto, devo salientar que existe outra hipótese defendida pelo etnomusicólogo austríaco Erich Moritz von Hornbostel, que ficou conhecido como Sachs-Hornbostel. Ele afirmou que a “zambomba” chegou na Europa no século XV pela Península Ibérica (nas regiões de Portugal e Espanha) por meio dos africanos escravizados da região do Zaire, atual República Democrática do Congo(5).

República Democrática do Congo

Em relação ao significado da palavra “zambomba”, também conhecido na Europa como “sarroncas”, o musicólogo português Ernesto Veiga declarou que na região onde hoje é Angola, República Democrática do Congo, República do Congo e parte do Gabão; ela significava “canto dos funerais”; “secreto”; “mistério” dentre outros(6); ou seja, a função social deste tambor era um caráter fúnebre. O etnógrafo cubano Fernando Ortiz justificou que esse instrumento sofreu um processo de “transculturação(7)”, outrora era um tambor com uma função esotérica e sagrada dentro das crenças e costumes ancestrais na África. Todavia, por causa de uma ação classificada por Ortiz, como: “desaculturação” esses tambores começaram a ser empregados em outras finalidades sociais secundárias: públicas e profanas, isto é, eles passaram a ser executados na função de divertimento(8).

Segundo Veiga, esse instrumento foi usado muito na Espanha pelos mouros e tornou-se um instrumento popular urbano e não camponês(9); ou seja, os escravizados urbanos passaram a usar as “zambombas” em diversos costumes de origem europeia do período da Idade Média(10), dentre eles, destaco as festividades natalícias e as cerimônias fúnebres(11) (que era realizado quando um cristão vinha a óbito) atividade semelhante a função original do tambor(12). Saliento que a cerimônia fúnebre tinha determinadas etapas; foram elas: o velório, o cortejo e o sepultamento. No Brasil, os primeiros cemitérios foram nas igrejas. Contudo, os sepultamentos nesses locais, obedeciam sempre a uma hierarquia, desse modo à igreja conferia aos maiores doadores a possibilidade de serem sepultados mais próximos do altar-mor ou nas vizinhanças desses locais [subentende que o fiel ficaria próximo de Deus(13)]. Não era permitida a inumação dentro das igrejas, daqueles que não eram católicos(14).

SÉC XIX - CORTEJO

Por meio deste entendimento, no Nordeste do Brasil os rejeitados que se sentiam desencaixados; buscaram um “reencaixe” social, pois existia uma necessidade de adaptação, sendo assim, a cultura citada anteriormente empregada na Europa começou a ser executada por meio dos imigrantes originários da metade do norte de Portugal(15). O cortejo feito pela arraia-miúda(16) no sertão nordestino(17) brasileiro era guiado pelo zabumbeiro(18) (esse tambor não acompanhava o canto ou danças), ele ia à frente do velório anunciando o falecimento da pessoa até o enterro; executando um compasso binário de 2/4 em adágio, tocando na pele de cima uma mínima deixando soar. Então em um ritornelo ininterrupto seguia a mesma sequência até chegar ao final do cortejo(19).

Com o decorrer das décadas, esse instrumento passou a ser chamado por outros nomes como afirmou Fernando Ortiz, como: “sarroncas” (na França, Itália entre outros) e “Zé Pereira(20)” (no norte da Espanha, dentro dos folguedos nas festas onde os camponeses praticavam suas romarias e manifestações populares). Segundo Ernesto Veiga, esse instrumento não é citado como popular na região da Europa antes do século XII. Todavia, no século XIII na Espanha esse tambor é citado, por Arcipreste de Hita, na literatura medieval através do “Livro de Dom Amor”. Segundo o historiador, folclorista e medievalista espanhol Menendez Pital, existe relatos do uso deste tambor por meio dos jograis a partir do século XIII, nas cortes de Castela e Aragão(21). Na colônia portuguesa esse tambor obtive outros adjetivos, como: estocador, cabaçal; além de apelidos que atribuíam comportamentos sociais, como: “esquenta muié” dentre outros. Segundo o compositor e músico pernambucano Luiz Gonzaga em depoimento a escritora Dominique, informou que no sertão do Araripe, chamava-se esquenta muié, porque quando a zabumba sapecava, as mulheres ficavam no maior fogo(22)”.

Dentro do conceito europeu, esses tambores são denominados da classe de instrumentos, chamados: membranofones(23). Por causa da interferência da indústria musical, existem dois tipos de zabumba; são eles: zabumba artesanal e zabumba industrial. A composição da zabumba artesanal é diferente da industrial. As zabumbas artesanais são confeccionadas dentro da metodologia ancestral(24); ou seja, utiliza-se um cilindro de madeira para constituir o corpo do tambor, secundariamente colocava-se uma pele de animal (geralmente de boi) em cada extremidade, depois se assenta dois aros de madeira similares ao formato do cilindro e os mesmos são apertados com cordas de feixes de fibras trançadas(25), com a finalidade de produzir afinações graves(26). Segundo o musicólogo Ernesto Veiga, por volta do século XVIII, as zabumbas só eram tocadas de dia, por causa do sol que era necessário para uma boa sonoridade dos tambores, friso que essa situação também acontecia com o Melé dentre outros.

ZABUMBA - ARTESANAL

Por esse fato, os instrumentistas buscavam uma solução para sanar essa deficiência e aproximadamente no século XX, começa a ser introduzido nesses tambores peças industrializadas para cilindros destinados a músicas de contexto militar. Sendo assim, dentro de um processo natural surge a zabumba industrial, que é confeccionada de zinco ou madeira em formato cilíndrico, suas peles são feitas de nylon(27), os aros são de ferro ou madeira similares ao formato do tambor, sendo apertados por parafusos(28) dentro de canoas, com a finalidade de produzir afinações. Friso que a zabumba artesanal originalmente era percutida por um pedaço de pau(29) com uma mão e a outra era aplicada como abafador. 

ZABUMBA - INDUSTRIAL

Contudo, no Nordeste no século XVIII, iniciou-se uma cultura mista decorrente de um processo de cognações entre grupos étnicos, como: os nagôs, os jejes e os malês dentre outros; constituindo-se uma cultura malta nordestina. Por meio desta compreensão, na década de 1940, observa-se uma mudança na forma de executar a zabumba, nas mesorregiões dos sertões da Bahia, surge alguns instrumentistas usando uma baqueta inspirada em uma vareta, chamada Aguidavi(30), para percutir na membrana inferior da zabumba.


Destaco, que como ela é um objeto destinado a percutir tambores (atabaque) em cultos religiosos de descendência africana, como: Candomblé e/ou Candomblé Queto, foi confeccionada uma vareta inspirada nela para uso profano, chamada de “Bacalhau”. Ela é feita de lígneo do bambu, com aproximadamente 35 cm. O bacalhau foi substituído por uma vareta feita de material sintético (nylon ou plástico); contudo, alguns zabumbeiros mais conservadores permanecem utilizando a forma artesanal; ou seja, o bacalhau, alegando que a sonoridade é diferente. 

Em suma, para apoiar a zabumba sobre o peito do instrumentista foi empregado uma alça colocada no ombro dele, chamada de talabarte ou fivela, em couro ou material sintético, ela é posicionada na diagonal do zabumbeiro, ficando o tambor com a pele mais grave colocada na parte superior do instrumento e a mais aguda na parte inferior. Com o objetivo de retirar o excesso de harmônicos na nota emitida pela vibração da pele superior do tambor, começou a ser empregado um abafador(31).

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TEXTO ATUALIZADO - 21/04/2023.

RODAPÉ

1.NAINE, 2010. p. 144.
2.A Península Ibérica é uma situada no sudoeste da Europa. É dividida na sua maior parte por Portugal e Espanha, mas também por Andorra, Gibraltar, e pequenas frações do território de soberania francesa nas vertentes ocidentais e norte dos Pirenéus, até ao local onde o istmo está situado.
3.Na Antiguidade, estas populações pertenciam a um grupo étnico maior, o dos beduínos, que eram organizados em tribos e dedicavam-se à caça, ao pastoreio e ao tráfico caravaneiro. Os beduínos converteram-se, ao kharidjismo (a mais antiga seita política-religiosa do Islã), adotaram a língua árabe, além do idioma nativo (OGOT, Allan, 2010, capítulo 19, p. 647 – 652).
4. OLIVEIRA, 1966, pág. 45.
5. Idem, 1966, pág. 218.
6. Idem, 1966, pág. 218.
7. Fernando Ortiz utilizou o conceito de “transculturação” para o campo da pesquisa antropológica com o objetivo de explicar as diferentes etapas e resultados do contato cultural entre pessoas reunidas pela expansão colonial europeia em Cuba.
8, ORTIZ, 1952, pág. 219.
9. OLIVEIRA, 1966, pág. 219.
10. Segundo alguns historiadores, na Idade Média quando uma pessoa por causas naturais vinha a óbito, era deixada sobre uma mesa por alguns dias, para ter certeza de que estava realmente morto. Pesquisadores acreditam que este costume tenha se originalizado na Europa antes da igreja, quando os copos e pratos eram feitos de estanho; pois a mistura de bebida alcoólica com o óxido de estanho causava uma espécie de narcolepsia. Então os anciões pagãos estipulavam o prazo de 24 horas para ter certeza que aquela pessoa está realmente morta. Os teólogos na questão do tempo concordam que é preciso aguardar essa quantidade de horas para o sepultamento, pois eles acreditam que o espírito do morto continua ainda presente durante esse período. Sendo assim, o defunto é deixado em um caixão em exposição pública para permitir que parentes, amigos e outros interessados possam honrar a memória do mesmo antes do sepultamento, após a confirmação do óbito a cerimônia passa para outra etapa: o cortejo. Que nada mais é do que um acompanhamento realizado pelos entes queridos ao defunto até o local onde ele irá ser enterrado. Chegando ao destino será feita a última etapa que é o sepultamento, momento onde os familiares e amigos se despedem do falecido. 
11. A cerimônia fúnebre era um ato de carácter simbólico, que apresentava para a população a ideia de um processo de passagem do defunto da terra para o céu.    
12. OLIVEIRA, 1966, pág. 219.
13. BERNARDES, 2006, p.84.
14. Escravos, indígenas, ciganos, judeus, protestantes, sentenciados, indigentes dentre outros, eram enterrados geralmente próximos aos rios.
15. Regiões de onde imigraram para o Brasil camponeses portugueses entre 1866 e 1889. Destaco Minho (local de tradição deste tambor), Beira Alta, Estremadura, Açores e Madeira. Posteriormente, a tendência mantém-se na década de 1900, desta vez a imigração vem dos distritos: Açores, Aveiro, Vila Real, Bragança, Funchal, Viana do Castelo, Porto, Viseu, Coimbra (outra região de tradição deste tambor). ROCHA, 1986, p. 139 – 156. 
16. Arraia-miúda – significa população sem representatividade, inexpressivo, plebe; ou seja, os nativos, ciganos, os brancos pobres, os negros escravos ou libertos.
17. Microrregião com a característica de ter sido povoado por escravizados de origem do Oeste-Africano, como: Senegal e Gâmbia (em menor escala, a ilha de Gorée), Mina (hoje Elmina) em Gana, Uidá em Benim, Calabar na Nigéria; e Guiné. Grupos sociais de etnias diversas, como: Malês (islamizados), hauçás, kanuris,tapas, gruncis, fulas e mandingas.
18. O soar dos sinos tinha duas finalidades nesta ocasião, primeiramente anunciava a população um óbito de uma pessoa da região, secundariamente estabelecia uma atmosfera religiosa durante o percurso desde o início até à sepultura, ornamentada com cruzes, círios, tochas, incenso, castiçais e candeias. Contudo, os rejeitados não tinham essa estrutura; sendo assim, eles eram avisados em caso de óbito dentro da arraia-miúda pelo vibrar da zabumba, instrumento substituto dos sinos. 
19. COSTA; CALVÃO, 2002.   
20. O bumbo chamado de Zé-Pereiras mede entre 74cm à 80 cm de diâmetro por 50 de altura geralmente. As peles superiores eram de carneiro ou bode e as inferiores eram de cabra.
21. OLIVEIRA, 1966, pág. 191. 
22. DREYFUS, 1996.
23. Sua finalidade com seu som grave é marcar o tempo forte da música. Em específico no caso da zabumba, dentro de uma visão do senso comum; a membrana na parte superior do instrumento funciona como o tambor grave do instrumento bateria; ou seja, o bumbo, enquanto a membrana na parte inferior do instrumento funcionará como o tambor agudo do instrumento bateria; ou seja, a caixa. 
24. NAINE, 2010, p. 636.
25. Corda – é um feixe de fibras ou trançados ou enrolados entre si, para permitir a tração de cargas, a fixação de objetos ou afinação de instrumentos. As cordas podem ser compostas de um único material ou uma associação de materiais, como fibras naturais (algodão, juta, sisal, linho, seda).
26. Em período de temperatura fria se empregava o calor do fogo para esticar a pele e produzir um som de natureza seca e ressonante no tambor.
27. Essas peles são sintéticas, logo, não apresentam problemas nas afinações por causa de temperatura, como as peles de animais. 
28. Em forma sextavada ou de borboleta – mede 38 cm de altura e entre 50,8 e 55,88 cm de diâmetro.
29. Os instrumentistas antigos denominam os pedaços de pau de macetas ou maçanetas; já os contemporâneos intitularam de baquetas (influenciados pela indústria musical). 
30. Aguidavi ou oguidavi – são varetas confeccionadas com pequenos galhos das árvores sagradas do candomblé, geralmente da goiabeira e/ou araçazeiro, medindo cerca de trinta a quarenta centímetros. MATORY, 1999, p. 57-80.  
31. É uma peça de tecido grosso colocado no centro da pele superior para manter abafado, conservando o timbre e aumentando a produtividade do instrumento. Cada "abafador" varia em espessura e maciez. Dependendo do tamanho do zabumba (normalmente medido em polegadas).

REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS 

ÂNGELO, Assis. Eu vou contar prá vocês. São Paulo: Ícone, 1990. 
BERNARDES, Dênis Antônio de Mendonça. O patriotismo constitucional: Pernambuco, 1820-1822. São Paulo – Recife: Aderaldo & Rothschild Editores e Editora Universitária UFPE, 2006.
COSTA, Teresa; CALVÃO, Filipe. Fundação de capelas na Lisboa quatrocentista: da morte à vida eterna. Lisboa: Lusitânia Sacra, 2002.
DREYFUS, Dominique. A vida do viajante: A saga de Luiz Gonzaga. São Paulo: Editora 34, 1996. 
MATORY, J. Lorand. Jeje: repensando nações e transnacionalismo. Mana, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 1, 1999. 
NAINE, Djibril Tamsir. Ed. História geral da África, IV: África do século XII ao XVI, 2° ed. Brasília: UNECO, 2010. 
OGOT, Bethwell Allan. Ed. História Geral da África, V: África do século XVI ao XVIII, 2° ed. Brasília: UNESCO, 2010.
OLIVEIRA, Ernesto Veiga de. Instrumentos Musicais Populares Portugueses. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1966. 
ORTIZ, Fernando. Los Instrumentos de lá Música Afrocubana. Vol. 1, Habana, 1952.
PARÉS, Luis Nicolau. A formação do candomblé: história e ritual da nação jeje na Bahia. 2. ed. Campinas: Editora da UNICAMP, 2007. 
PEIXE, Guerra. Zabumba, orquestra nordestina. Revista Brasileira de Folclore, 26. Rio de Janeiro, 1970.
ROCHA - Trindade, Maria Beatriz. Refluxos culturais da imigração portuguesa para o Brasil. Análise Social, 1986. Artigo apresentado no congresso Euro - brasileiro sobre Migrações (Universidade de São Paulo, 1935).
 

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