Para contextualizar processos históricos sobre a dança será necessário utilizar termos para diferenciar maneiras de se dançar, sendo assim, utilizaremos o termo cultura popular como estilo de dança baseado em um perfil demográfico (idade, sexo, estado civil, localização geográfica nível socioeconômico), psicográfico (estilo de vida, personalidade, preferências pessoais) e atitudinal (postura frente a temas sociais, engajamento político dentre outros). Simultaneamente, usaremos o termo cultura erudita com o mesmo padrão analítico sobreposto para o outro estilo. Dito isto, iremos agora nos debruçar acerca desses dois aspectos para buscar explicar através de uma forma epistemológica sobre as linguagens corporais culturais observadas mediante a antinomia existente nas vertentes citadas. Segundo o historiador inglês Peter Burke houve uma convivência outrora entre esses estilos, até que um processo político hegemônico provocou um distanciamento que se transformou numa separação ideológica:
“.... O termo “cultura popular” tem um sentido diferente quando usado por historiadores para referir-se à Europa por volta do ano de 1500, quando a elite geralmente participava das culturas do povo, e ao final do século XVIII, quando a elite tinha geralmente se retirado”.
Ressalto que a ideia de cultura foi uma construção de pensamentos com o propósito de descrever formas de conhecimentos dos Estados nacionais dominantes que se constituíram na Europa a partir do fim da Idade Média, os quais só tinham acesso setores das classes dominantes desses países, ou seja, embora a elite tivesse aprendendo cantigas infantis, danças e brincadeiras pertencentes a um conjunto de costumes e tradições dos plebeus, ela sofreu limites, pois seus valores e sua filosofia foram colocadas como elementos pertencentes ao exótico, típico de um olhar etnocentrista. Isto é, o conhecimento denominado erudito, se contrapôs ao conhecimento possuído pela maior parte da população, pelo fato da cultura erudita ser identificada como dominante e hegemônica. Enfim, apesar da elite presenciar a cultura do povo, como cita Burke; ao mesmo tempo frequentava as escolas “superiores” e academias de arte em um mundo contrastante com o mundo daquele povo observado, sendo assim, houve uma convergência entre cultura popular e cultura erudita.
Evidencio que essa visão chegou até as academias de dança através do enfoque caricaturado sobre a cultura popular, desfocada de seu verdadeiro conceito e importância. Ainda hoje, é perceptível que as instituições como: secretarias de cultura municipais e/ou estaduais, faculdades de música, escolas de dança entre outras, enxerguem a cultura popular pensado sempre em relação à cultura erudita, à “alta cultura”, entendimento associado tanto no passado como no presente, pelas classes influentes. Elas trazem consigo o subentendimento que a cultura erudita desenvolveu um universo de legitimidade própria, expresso pela filosofia, pela ciência e pelo saber produzido e controlado em instituições da sociedade nacional, tais como as universidades, as academias, as ordens profissionais (de médicos, advogados, engenheiros e outras). Enquanto a cultura popular são expressões diferentes da cultura dominante, são manifestações empíricas de classes consideradas ínferas, onde estão fora de suas instituições, que existem independentemente delas, mesmo sendo suas contemporâneas.
A partir do final da década de 1920 no Brasil, o conflito binário entre povo e “elite” foi substituído por urbano e rural e não raras vezes, encontramos o termo “popular” sendo substituído pelo termo “local” ou “regional”. Deduzindo-se assim que os conflitos existentes no campo ideológico e político entre essas culturas, foram criados como uma das maneiras de afastar as duas e ao mesmo tempo, reforçar a hegemonia de uma sobre a outra, no caso, da cultura de “elite” sobre a cultura popular. Devo salientar que no período da década de 1960, o conflito existente entre essas culturas foi renomeado, sendo empregado outros termos distintos, foram eles: centro e periferia. Então, baseado nesses processos de conceitos históricos iremos explicar nesse blog sobre dois aspectos ou estilos referentes as generalidades das linguagens corporais.
É relevante apresentar o ponto de vista por meio dos detentores da cultura dita popular, que é baseada no ensinamento de seus ancestrais. Segundo eles, seus antepassados entendiam os movimentos corporais semelhantes a uma linguagem falada ou escrita. Através deste discernimento, se analisarmos os movimentos como palavras, uma sequência de movimentos seria uma construção de frases. Sendo assim, a gramática usada para definir a maneira mais adequada de montar esses movimentos dentro de uma sequência que tenha sentido para quem assiste ou para quem realiza, chama-se a partir do século XIX de estilo popular. Logo, na dança popular o dançarino tem a liberdade de executar os passos que já sabe e enunciar por meio de uma performance da forma como acha melhor. Dentro desta absorção iremos aplicar um modelo para sua melhor percepção, então, realizando uma analogia para explicar melhor sobre o improviso na dança, iremos usar como exemplo uma possível construção de “frase optativa” com o objetivo de informar um destino.
Hoje, eu vou para a casa de José...
Para a casa de José, hoje eu vou....
Isto significa que a ação do improviso é construir uma frase de acordo com o que você está sentindo naquele momento, todavia, sempre respeitando a gramática. Em outras palavras, se adaptarmos essa forma de usufruir da linguagem nos movimentos corporais, podemos usar os passos mediante ao que você se emociona; seja com a dança, com os elementos constitutivos da música ou através da relação construída com o parceiro que você está dançando no momento. Isso quer dizer, que na dança popular o dançarino é responsável pela construção das frases que irá executar, oposto do dançarino erudito que geralmente realizará repetidas sequências pré-definidas de figuras, projetadas por outro dançarino denominado de coreógrafo. Outra diferença entre a dança popular e a dança erudita:
• A dança popular – era aplicada por figuras muitas vezes inspiradas em movimentos de animais ou se assemelhavam com movimentos de trabalho realizados na agropecuária.
• A dança erudita – era executada dentro de um conceito anatômico por meio de figuras geométricas através de uma simetria de movimento dos bailarinos criados por um coreógrafo. Destaco que as formas dos movimentos geométricos das coreografias parecem muito com os jardins dos castelos franceses do século XVII e XVIII.
Concluindo, através das definições estabelecidas mediante a justificativa apresentada anteriormente, iremos narrar por meio de alguns textos expostos neste blog sobre duas formas de ver a dança e usufruí-la.
TEXTO ATUALIZADO - 21/04/2023.
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REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
BIZZOCCHI, Aldo. O clássico e o moderno, o erudito e o popular na arte. Líbero. São Paulo, v. 2, n. 3/4, 1999.
BURKE, Peter. Cultura Popular na Idade Moderna. Tradução Denise Bottmann. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
CASTAGNA, Paulo (Org.). Colóquio Brasileiro de Arquivologia e Edição Musical. Fundação Cultural e Educacional da Arquidiocese de Mariana-FUNDARQ, 2004.
GIFFONI, Maria Amália Corrêa. Danças da corte; danças dos salões brasileiros de ontem e de hoje. São Paulo, Depto de Educação Física e Desporos do MEC, 1974. (Caderno Cultural, v. 2).
KIRSTEIN, Lincoln. Dance, Dance Horizons Incorporated, Nova Iorque, 1969.
IMAGEM
Figura 1 – Pintura que relata a elegância de uma dança de corte em um grande salão. Autor: NID.
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