XOTE - DANÇA

 AS DIFERENÇAS ENTRE O XOTE RURAL E URBANO

Types of Dance A History of Social Dance in America AAS Online Exhibition

Através do estudo de periódicos(1) chegou ao nosso conhecimento que a Schottisch como “danças de concerto e/ou danças de salão” começou a ser propagada no Brasil a partir do século XIX, inclusive, em 1851, chegou ao país o professor de dança e coreógrafo José Maria Toussaint(2) para lecionar a corte no Brasil. Segundo o musicólogo Ernesto Vieira, ela foi uma dança de salão contemporânea da mazurca e da polca. Assemelhava-se à polca com a diferença de ter um andamento mais vagaroso(3). De acordo com as normas das danças de elite ela deveria ser realizada entre quatro ou cinco pares executando passos e volteios dançados em círculos determinados pelo coreógrafo; ou seja, era uma dança de roda dentro de um formato barroco. Sua composição básica foi oitocentista, prevalecia o compasso quaternário em andamento andantino. Logo ela teve grande aceitação na sociedade brasileira e seu gênero musical tornou-se popular no Brasil. Ela era executada principalmente ao piano(4). 

O historiador pernambucano Pereira da Costa declarou que a Schottisch foi uma das danças europeias de maior sucesso no Brasil e sua produção foi imensa até a primeira década do século XX, especialmente no Rio de Janeiro e em São Paulo. Contudo, segundo a folclorista paulista Maria Giffoni, torna-se evidente que essas alterações na primeira década do século XX no Brasil, proporcionaram a Schottisch diversas variações de danças (já reconhecidas como brasileiras) por todo o país. Giffoni relata que através de suas pesquisas realizadas no norte do país(5) encontrou formas de dança regionais inspiradas na Schottisch, como: o Serrote e a Jararaca(6). Entretanto, não existe nenhum documento literário que relate sobre como eram executadas as variações de danças tanto no Serrote quanto na Jararaca. Porém, a sociedade antropológica defende que a generalidade da dança popular advinda de alguns grupos africanos e/ou indígenas foi fomentada por meio da inspiração dos movimentos de animais e secundariamente em uma outra época distinta também foi utilizada como estimulo as formas de executar os trabalhos denominados “braçais”, pelos os lusos brasileiros pertencentes a “classe social” denominada: arraia-miúda; ou seja, eles usaram conduções corporais constituídas nos trabalhos agrícolas  como base de inspiração para o surgimento de danças rurais regionais.

Por meio desta análise alguns pesquisadores, acreditam que através de um impulso a comunidade local tenha batizado aquela dança de Jararaca , pelo fato do movimento executado na dança se assemelhar a forma de como esse réptil se movimenta, ou seja, arrastando. Mediante a uma arguição entre a movimentação descrita como Jararaca e o movimento referido como “dois pra lá e dois pra cá” (expressão que é justificada pelos educadores na dança através da narrativa exercida por Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira na canção “No meu pé de serra”) acredita-se que são as mesmas performances corporais; abordadas como uma forma “autêntica” de executar o xote na perspectiva sertaneja nordestino, ou seja, dançando arrastando-se os pés no chão e usando movimentos por ciclos de contrações musculares em lados opostos da coluna vertebral. Já a variação conhecida como Serrote segue o entendimento abordado anteriormente constituído mediante o conceito que sua base é inspirada em deslocamentos musculares efetuados pelos camponeses que executavam uma função distinta nos trabalhos “braçais”; sendo assim, esse adjetivo empregado para a Schottisch em uma microrregião distinta no Nordeste brasileiro se justifica pela semelhança com a movimentação que se realiza esta ferramenta utilizada pelos lenhadores nas fazendas.

Benjamin Abrahão e Lampião e seus cangaceiros
Ressalto que no filme gravado entre 1936 e 1937 produzido por Benjamin Abrahão(8) temos um dos poucos registros em vídeo de uma dança rural da época. Observa-se neste filme alguns cangaceiros dançando uma movimentação que se assemelha aos deslocamentos considerados típicos da dança Serrote. Se observa no vídeo uma postura anatômica dos cangaceiros que é associada pelos mesmos como uma aparência elegante, semelhante a praticada nos salões do centro urbano. Quando observamos a dança do Xote dentro de um conceito de movimentos geométricos e simétricos, identificamos características lineares distintas entre a dança da Schottisch e a dança do Xote. Por meio do passo rudimentar do Xote, narrado como: “Dois pra lá e dois pra cá”, presenciamos diferenças específicas na sua estrutura anatômica; ou seja, na Schottisch o movimento é mais pulado, a intenção corporal é mais para cima, comum nas danças europeias. 


Contudo, nesse mesmo movimento executado no Xote apreciamos uma mobilidade mais arrastada e conectada com o chão, onde a intenção corporal é mais pra baixo. Essas características estão fundamentadas culturalmente mediante aos hábitos de um povo. Por exemplo: Os povos europeus na condição de cristão, creem que sua divindade reside no céu, logo, sua reverência a entidade lhe conduz anatomicamente a se posicionar para cima. Todavia, outros povos como: ameríndios e africanos na condição de politeístas e panteístas, acreditam que suas divindades estão em todos os lugares e em todas as coisas; ou seja, estão presentes nos elementos naturais (água, terra, fogo e ar), sendo assim, suas danças são projetadas por deslocações geométricos direcionadas para os elementos citados. Concluindo, o Xote urbano carrega uma ascendência corporal através de hábitos expressados pelas danças barrocas, como a Schottisch; entretanto, o Xote rural traz uma ancestralidade por meio de hábitos executados pelas danças tribais, como o Toré.

Atualmente, nos ensinos nas escolas de dança, observamos comumente uma padronização da dança, bem como uma exigência estética da movimentação que muito se assemelha ao conceito construído pela dança barroca. Há também uma preocupação muito grande na execução dos movimentos, todavia percebe-se pouca conexão destes movimentos com a música. Observamos uma falta de incentivo para que o aluno desenvolva um diálogo com a música que ele está dançando, ou desperte no aluno o que cada música transmite para ele, limitando muitas vezes que ele desenvolva movimentos a partir desse diálogo com a música. Outra questão relevante é que no decorrer dos anos verificamos algumas modificações nas canções do subgênero – Xote e essas transformações também interferem no diálogo com os dançantes. Exemplo: As canções gravadas por Luiz Gonzaga como “No meu pé de serra”; “Apologia ao jumento”; “Cintura Fina” dentre outras, obedecem a padrões melódicos e harmônicos encontrados no cancioneiro nordestino condensadas em uma estrutura rítmica que foi urbanizada por Gonzaga, Humberto e Zé Dantas (no início da década de 1950).

Essa condição unidimensional dos Xotes com sotaque nordestino provoca no corpo uma sensação diferente de algumas canções atuais que não obedecem essa estrutura rítmica, pelo fato de serem confeccionadas inspiradas em outro padrão constituído no iníciou da década de 1970, onde a melodia assumiu uma função mais central; ou seja, ganha mais relevância no gênero, pois ela apoia-se principalmente nos seus intervalos e em sua harmonia latente afirmar uma ideia musical romântica. Exemplo: a canção “Te faço um cafuné” (Zezum) na versão da Mariana Aydar; assim como, a canção “I love you so” (Caramuru) na versão do Forró de KA. Essa estrutura melódica de redundância frequentemente simétrica proporciona movimentos geométricos na dança. Sendo assim, ao despertarmos para o diálogo entre a música e a dança conseguiremos observar como a música influencia a forma de se dançar, assim como, o movimento corporal pode alterar uma execução musical. 

TEXTO ATUALIZADO - 29/01/2022.

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Link para a história da música do Xote.

RODAPÉ

1. Periódicos: A província, Almanak Administrativo, Mercantil, Industrial e Agrícola, O diário novo. 

2. BARRETO/PEREIRA, 2002, p.92.

3.VIEIRA, 1899, p. 456.

4. Instrumento já comum nas casas ricas a partir da década de 1830 ou em pequenos conjuntos instrumentais que mesclavam cordas e sopros. 

5. Segundo o historiador Durval Muniz, em 1919, o termo Nordeste começou a ser empregado no discurso institucional para delimitar uma área que, sendo mais propensa às estiagens, passa a ter atenção especial da Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas – IFOCS (ALBUQUERQUE, 2009. p.67).

6. É um gênero de serpente da família viperidae, encontrada no Brasil (da Bahia ao Rio Grande do Sul). Seu nome coloquial atribui-se a uma origem Tupi – yara'raka (jararacas). 

7. As atividades agrícolas são todas as fases de plantio (preparação, correção, adubação, plantio, colheita e venda) dividem-se em dois tipos, geralmente segundo o tamanho da área e da produtividade alcançada.

8. Benjamin Abrahão Botto foi um fotógrafo libanês responsável pelo registro iconográfico do cangaço e de seu maior líder (Virgulino Ferreira da Silva — o Lampião) através do apoio de Adhemar Bezerra de Albuquerque. Essa produção começou a ser editada inicialmente em 1937, o filme causou grande expectativa nacional e internacional, mas foi apreendido pelo órgão de censura do governo de Getúlio Vargas e ficou esquecido nos porões da ditadura. Entretanto, em 1955 parte deste filme foi recuperado por Alexandre Wulfes e reeditado por Al Ghiu que anexaram uma narração junto ao filme e secundariamente realizaram o lançamento do filme Lampião: o Rei do Cangaço (com 10 minutos de duração) exibido nos cinemas com grandes sucessos. Destaco que em 2007, a Cinemateca brasileira com o patrocínio da Petrobras restaurou fotoquimicamente a versão editada por Al Ghiu. Essa edição feita especialmente para o livro Iconografia do Cangaço da editora – Terceiro Nome, é uma remontagem de Ricardo Albuquerque (org.) realizada a partir do material restaurado em 2007 pela Cinemateca Brasileira, todavia, acrescida de 04 minutos de imagens inéditas. 

REFERÊNCIAS 

BIBLIOGRÁFICAS 

ALMEIDA, Renato. História da música brasileira. ed.2. Rio de Janeiro: F. Briguiet & Comp., 1942. 

ANDRADE, Mário de. Dicionário musical brasileiro. São Paulo: Ministério da Cultura,1989.

BARRETO, José Ricardo Paes; PEREIRA, Margarida Maria de Souza Pereira (Org.). Festejos Juninos: uma tradição nordestina. – Recife: Nova Presença; 2002.

CERNICHIARO, Vicenzo. Storia della musica nel Brasile dai tempi coloniali sino ai nostri giorni (1549-1925). Milano: Stab. Tip. .Edit. Fratelli Riccioni, 1926.

COSTA, Pereira da. Folk-lore Pernambuco. Editado pela Companhia Editora de Pernambuco (Cepe) 2008. 

FOLLIS, Fransérgio. Modernização Urbana na Belle époque Paulista. São Paulo: Unesp, 2004.

GIFFONI, Maria Amália Corrêa. Danças da corte; danças dos salões brasileiros de ontem e de hoje. São Paulo, Depto de Educação Física e Desporos do MEC, 1974. (Caderno Cultural, v. 2).

KIEFER, Bruno. História da música brasileira; dos primórdios ao início do século XX. Porto Alegre: Ed. Movimento / Instituto Estadual do Livro; Brasília, Instituto Nacional do Livro, 1976.

LAFORGE, P./ MARTINET, Alfred. Rio de Janeiro: Álbum pitoresco-musical. Rio de Janeiro: P. Laforge e sucess, 1856.

LIRA, Mariza. Brasil sonoro: gêneros e compositores populares. Rio de Janeiro: S. A. A. Noite, 1938.

MELLO, Guilherme Theodoro Pereira de. A música no Brasil desde os tempos coloniais até o primeiro decênio da República. 2ed., Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1947. 

ROCHA, Trindade, Maria Beatriz. Refluxos culturais da imigração portuguesa para o Brasil. Análise Social, 1986. Artigo apresentado no congresso Euro - brasileiro sobre Migrações (Universidade de São Paulo, 1935).

ROCHE, Jean. A Colonização Alemã e o Rio Grande do Sul (tradução de Emery Ruas). Porto Alegre: Editôra Globo, 1969.

SANTOS, Maria Luiza de Queirós Amâncio dos. Origens e evolução da música em Portugal e sua influência no Brasil. Rio de Janeiro: Comissão Brasileira dos Centenários de Portugal, 1942.

SCHÄFFER, Neiva Otero. Os Alemães no Rio Grande do Sul: dos números iniciais aos censos demográficos. In: Os Alemães no Sul do Brasil. Canoas: Editora da ULBRA, 2004.

DISSERTAÇÃO E TESES

SIQUEIRA, Batista. Influência Ameríndia na Música Folclórica do Nordeste, 1°ed. Rio de Janeiro: Concurso de títulos e provas da E.N.M. da Universidade do Brasil, 1951.

FONOGRÁFICAS

AMBRÓSIO, Jadir; SILVA, Jair. Buraco de Tatu. São Paulo: RCA Victor, 1950. L. A (Reg. N°801570a), 1 disco (16 min.): 78 rpm, microssulcos, mono. (Interprete Luiz Gonzaga).

AUGUSTO, J.; BARBALHO, N. Xote das moças. São Paulo: RCA Victor, 1958. L. B (Reg. N°801952b), 1 disco (16 min.): 78 rpm, microssulcos, mono. (Interprete Luiz Gonzaga).

CARAMURU. I love you so. In: FORRÓ DE KA. Revolution. Independente, 2017. 1 disco compacto (35 min.): digital, estéreo. 

CLEMENTINO, José; GONZAGA, Luiz. Apologia ao jumento. In: GONZAGA, LUIZ. Capim Novo. São Paulo: RCA Camden, 1976. L. B (107.0240-B) faixa 6; 1 disco (45 min.): 33 1/3 rpm, microssulcos, mono. 12 pol. 

GONZAGA, Luiz; DANTAS, Zé. Cintura fina. São Paulo: RCA Victor, 1950. L. B (Reg. N°800681b), 1 disco (16 min.): 78 rpm, microssulcos, mono. 

______; DANTAS, Zé. O xote das meninas. São Paulo: RCA Victor, 1953. L. A (Reg. N°801108a), 1 disco (16 min.): 78 rpm, microssulcos, mono. 

______; TEIXEIRA, Humberto. No meu pé de serra. São Paulo: RCA Victor, 1947. L. A (Reg. N°800495ª), 1 disco (16 min.): 78 rpm, microssulcos, mono. 

______; TEIXEIRA, Humberto. Respeita Januário. São Paulo: RCA Victor, 1950. L. B (Reg. N°800658b), 1 disco (16 min.): 78 rpm, microssulcos, mono. 

ZEZUM. Te faço um cafuné. In: AYDAR, MARIANA. A Força Do Querer – Vol 1. Vidisco, 2017. 1 disco compacto (35 min.): digital, estéreo. ISRC: 11.80.9886.   

FILMES E PROGRAMAS

LAMPIÃO: O REI DO CANGAÇO. Produção de Benjamin Abrahão, Edição Al Ghiu. Rio de Janeiro: Realização da Cinemateca brasileira. 1955. Curta-metragem 10 min. Preto e Branco, mono.

IMAGENS

Figura 1 - A Schottisch como “danças de concerto e/ou danças de salão” em 1851. Types of Dance A History of Social Dance in America AAS Online Exhibition.

Figura 2 - Benjamin Abrahão com Lampião e seus cangaceiros em 1936. Foto: Benjamin Abrahão.  

Figura 3 – Imagem de Durvinha e Moreno dançando em 1936. Foto: Benjamin Abrahão.  

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