CATEGORIZAÇÃO

 

RÁDIO DIFUSORA DE CARUARU - DÉCADA DE 1950

ROTULAÇÕES MUSICAIS

Este texto será conduzido através da ciência que estuda a história da música ocidental e codificou a mesma por meio de uma teoria musical, denominada de musicologia. Todavia, é coerente ressaltar antes de qualquer coisa, que a música é considerada por diversos autores como uma prática cultural e humana. Atualmente não se conhece nenhuma civilização ou agrupamento que não possua manifestações musicais “próprias”. Embora nem sempre seja feita com esse objetivo. Em relação à criação e a desempenho da música, variam de acordo com a cultura e o contexto social, abordo essa questão pois iremos apontar algumas vezes, entedimentos e conceitos musicais de origem oriental, pelo fato desta cultura está presente de uma forma significativa na região do nordeste brasileiro. Nosso objetivo neste texto é proporcionar uma compreensão técnica sobre os conceitos dentro da disciplina que foram empregados para constituir uma categorização musical.

Dentro desta categorização existe duas correntes com entendimentos distintos sobre uma classificação para música. O produtor musical, compositor e músico americano – John Zorn endossa que gêneros e estilos musicais são inúteis, alegando que representam esforços de marketing ao invés da distinção musical de fato. Contudo, a segunda corrente explana, que mesmo percebendo que as fronteiras entre os gêneros e estilos musicais estão cada vez mais indefinidas, muitas vezes abertas à interpretação individual e ocasionalmente controversas, porque as músicas atuais são resultantes de um construir particular, através de relações com outros estilos e gêneros musicais, portadores de caracteres bastante diferenciadas; todavia, classificar música por estilo ou gênero ainda distinguir fatos cruciais sobre as obras na história da música através dos diversos períodos. O musicólogo escocês David Horne (diretor do Institute of Popular Music, em Liverpool, na Inglaterra) esclarece:

Não existem mais uma fronteira clara entre os estilos e gêneros musicais, tornando-se difícil classificá-los ou rotulá-los, que historicamente sempre foram bem diferentes. As fronteiras entre eles estão cada vez mais indefinidas e essa flexibilidade é uma característica da própria música dos dias de hoje. Entretanto a categorização musical permitiu que percebessem suas generalidades, as percepções rítmicas, as influências dos campos modais específicos empregados, a forma de harmonizar, as linhas poéticas, entre outras informações.

Independente desta discussão que se estende até os dias atuais, a indústria fonográfica mundial compreendeu que a corrente defendida por David Horne aumenta a facilidade para que indivíduos encontrem artistas e músicas que apreciam, ou seja, ela pouco a pouco passou a criar várias segmentações de mercado através de categorizações musicais com o intuito de facilitar, para que os clientes (fãs) encontrassem o produto (artista) de sua preferência. Essas rotulações determinadas pelas gravadoras foram inspiradas por meio de alguns conceitos científicos constituídos pela musicologia, como regras para definir segmentos mercadológicos; isto é, as músicas e as canções foram definidas pela forma e pelo conteúdo dos temas. É relevante destacar que as datas citadas no estudo são generalizações, já que os períodos frequentemente se sobrepõem, e as categorias são um tanto arbitrárias. O primeiro conceito ocidental criado para identificar uma música ou canção, foi pela origem geográfica (embora uma única categoria geográfica inclua frequentemente uma variedade de estilos musicais) que se iniciou no período medieval por volta de 476 D.C. sendo empregado até aproximadamente 1400 D.C.

O segundo conceito foi construído através da religião, pois a igreja católica com a preocupação de fazer uma unificação padronizada na sociedade ocidental chamou alguns pensadores religiosos (músicos, matemáticos entre outros), para criar uma linguagem única da igreja e de forma que em toda parte do ocidente fosse executado um estilo de música própria da igreja. Pelo fato que as canções primitivas dos cristãos eram baseadas na tradição vocal dos Judeus e Árabes, assim como dos modos gregos, que foram absorvidas quase sem alteração no século VI. Então foi criado o estilo chamado Bizantino, que era um canto monofônico com uma identidade própria; deste modo, foram definidas duas expressões: música sacra e música profana ou herege, que depois se tornou estilo Sacro e estilo Secular.

Contudo, segundo os especialistas, foi em 1400 D.C. o início do período renascentista caracterizado pela notação métrica substituindo os ritmos medievais, além da mudança do sistema modal para as tonalidades maiores e menores. Ainda dentro de um processo de mudança musical eclodiu o cromatismo e aumenta-se o uso de instrumentação com os primeiros instrumentos descritos como baixos. No período de 1100 D.C. cresceu o interesse da sociedade pela música profana, enquanto a música religiosa declinava. Sendo assim, surge à música polifônica (com múltiplas vozes) que se desenvolveu na segunda metade da Idade Média e foi intitulada: “música de arte” que tem origem nas tradições da música secular e litúrgica ocidental. Ela tornou-se referência como uma tradição musical escrita distinguindo-se da música transmitida oralmente e foi neste período em especifico que a música foi incorporada a conteúdos ideológicos.

Em 1600 nasceu o período de várias formas vocais como a cantata e o oratório que se tornaram banais a partir do século XVI, época que surgiu uma forma de drama musical sobre o palco, chamada de ópera, que começou a se diferenciar das outras formas musicais e dramáticas. Grupos instrumentais passaram a ficar cada vez mais diversificados e suas formações foram se padronizando, surgiram os grandes grupos de músicos; como as primeiras orquestras e a música de câmara. O concerto, como veículo para uma performance solo acompanhada de uma orquestra, tornou-se extremamente difundido, embora a relação entre solista e orquestra ainda fosse relativamente simples. É importante salientar que a música oral ou música popular, também teve seu próprio processo de evolução e tomou forma, foi padronizada e codificada. Contudo sempre sendo transmitida por meio da oralidade, entre os grupos considerados ínferos, de geração para geração. Assim as músicas e as canções populares também sofreram evoluções paralelamente as músicas de arte.

Por volta de 1730, no período chamado de “clássico”, foi estabelecido muitas das normas de composições, apresentações e formas do estilo musical. É neste período que surgiu a chamada: “música clássica”. Não é uma tarefa fácil apontar os fatores que caracterizam a música clássica, visto que existem diversos tipos distintos de modos, gêneros e formas que variam de acordo com o período histórico. Mas, existem algumas características que podem ser tidas como típicas das músicas eruditas, como:

A instrumentação - foi caracterizada por sua complexidade predominantemente por diversos instrumentos musicais. Por norma, as orquestras são conhecidas pela reprodução de músicas clássicas.

Técnicas de execução - a música clássica é composta por sinfonias, óperas, sonatas, entre outras formas mais complexas de desenvolvimento musical.

A apresentação dos espetáculos - normalmente, a atmosfera construída na apresentação de um concerto de música clássica é formal e solene, ao contrário do que acontece em shows de músicos populares, por exemplo.

Posteriormente o gosto do público pela apreciação da música clássica vem em declínio e surge em 1815, o chamado período romântico, caracterizado por uma atenção cada vez maior a uma linha melódica extensa, assim como elementos expressivos e emotivos. As formas musicais começaram a se distanciar dos moldes usados na era clássica (mesmo aqueles que já haviam sido codificados) e surgem peças em forma livre como: noturnos, prelúdios e fantasias ao mesmo tempo em que as ideias preconcebidas a respeito da exposição e do desenvolvimento destes temas passaram a ser minimizadas ou mesmo ignoradas. A música tornou-se mais cromática, dissonante, com tonalidades mais coloridas e um aumento nas tensões (no que diz respeito às normas aceitas pelas formas anteriores) envolvendo as armaduras tonais. Por meio destas transformações nasceu um crescente interesse pela música do período romântico, por parte das classes médias por toda a Europa ocidental, que incentivou a criação de organizações dedicadas ao ensino, performance e preservação da música. Ressalto que no decorrente do tempo as instituições musicais saíram do controle dos patronos ricos, à medida que os compositores e músicos podiam construir vidas independentes da nobreza.

Em suma, evidenciou que no final do século XI foi categorizado um estilo musical baseado nas tradições da música litúrgica ocidental, entretanto, era fundamentada no conceito secular, esse tipo de música, foi denominada de música de arte. No século XIX, começou a ser empregada a expressão “música folclórica”, que significava música feita pela sabedoria popular; isto é, música transmitida e aprendida através do canto, da escuta e por vezes da dança. Porém, existiam defensores da música tradicional ou ancestral, que consideravam qualquer tipo de produção musical como uma forma de arte, não havendo a necessidade de construir uma “hierarquização preconceituosa” em torno dos estilos musicais. Enfim, seguindo o processo histórico de construção, passar a existir o período moderno em 1905 até aproximadamente 1985, marcou um período no qual diversos compositores rejeitaram determinados valores do período da prática comum, tais como a tonalidade, a melodia, a instrumentação e a estrutura tradicionais.

Despontando assim, a música impressionista de 1910 a 1920, dominada por compositores franceses (em oposição ao domínio existente até então dos alemães na arte e principalmente na música). Friso, que os compositores impressionistas como os franceses Erik Satie, Claude Debussy e Maurice Ravel usavam escalas pentatônicas, fraseados longos e ondulantes, e ritmos livres. Os impressionistas consideram o período moderno um processo de evolução da “música artística”; ou seja, clássica. Enquanto que a “música folclórica” não passava de um “entretenimento vulgar”. Com o início do registro sonoro por meios mecânicos, através do processo de gravação de discos, houve uma transformação no mercado musical. A expansão da música gravada levou o seu consumo para além do ambiente privado das elites, para ser compartilhado por indivíduos de origens distintas. Aos poucos, criou-se um crescente mercado impulsio¬nado pela grande demanda de máquinas falantes.

Walter Benjamin ao avaliar no seu livro o processo que levou ao consumo e aos novos meios de contato com a música, conclui que o resultado foi uma progressiva mudança no interior da sociedade, em um caminho aberto para novas formas de experiências e transformações. Esses novos e modernos suportes sonoros alteram a forma de consumir música, sem a necessidade de ir ao seu lugar de origem, como nos concertos ou teatros ou ter conhecimentos técnicos específicos para sua audição e seu consumo. Isto é, a proliferação da música no século XX levou o surgimento de novas rotulações para um novo mercado, intitulado: indústria fonográfica. Mediante aos fatos citados, surgiu o termo “música popular” que significava uma música de consumo em massa.

Embora seja concebível criar um estilo musical sem qualquer relação com os estilos existentes, novos estilos geralmente aparecem sob a influência de estilos preexistentes, isto é, mesmo compartilhando elementos em comum, eles demostram propriedades particulares, embora permaneça com grande influência de sua origem. O musicólogo britânico Philip Tagg, justificou que uma forma eficaz de classificar estilos musicais é utilizando critérios para rotular a música de acordo com uma distinção tricotômica, como o triângulo axiomático composto por músicas: folclóricas, artísticas e populares. Segundo ele cada um destes três é distinguível dos outros de acordo com determinados discernimentos; ou seja, a música pode ser dividida em três variáveis: excitação, valência e profundidade.

Entretanto o também britânico Richard Middleton (musicólogo especialista em música popular) contesta esses critérios, pois os consideram arbitrários. Segundo Richard é impossível encontrar divisões simples entre “popular” e “popular” ou “popular” e “arte”. Ele explica: A música “artística” é geralmente considerada por natureza complexa, difícil, exigente; todavia, a música “popular” já é definida como “simples”, “acessível”, “fácil”. Mas muitas peças comumente consideradas como “arte”, como por exemplo: Hallelujah Chorus do compositor germânico Georg Friedrich Händel, assim como, muitas músicas do compositor austríaco Franz Peter Schubert, do compositor italiano Giuseppe Fortunino Francesco Verdi, dentre outros compositores; têm qualidades de simplicidade. Por outro lado, é óbvio que os discos da banda inglesa de punk rock Sex Pistols não foram “acessíveis”; assim como, os trabalhos do guitarrista norte americano Frank Zappa e o da cantora de jazz norte americana Billie Holiday, não são “simples” ou "fácil”.

Segundo o músico e compositor paraibano Sivuca; a música é dividida em duas: a boa e a ruim. A ruim se acaba e a boa fica, vira clássica. Conforme o músico, essa história de erudito e de clássicos, são rótulos. Ele afirma como exemplo: que a 6° sinfonia de Beethoven está repleto de cantos populares alemães. Assim como, as cantigas de rodas são a base para boa parte da obra de Johann Sebastian Bach. Analisando por outro ângulo, a indústria fonográfica sarcasticamente realizou o conceito de cultura orgânica; isto é, ela pouco a pouco passou a criar várias segmentações de mercado através de categorizações musicais com o intuito de facilitar, para que os clientes (fãs) encontrassem o produto (artista) de sua preferência, ou seja, as suas rotulações consistiam sempre e tão somente em melhorar os processos de reprodução em massa. Segundo o filósofo, sociólogo, musicólogo e compositor alemão Theodor Ludwig Wiesengrund-Adorno, isso foi uma barbárie estética realizada para neutralizar as criações espirituais e quem não se adaptou foi massacrado pela indústria cultural.

É relevante citar que desde o início do século XX, o empresário tcheco Frederico Figner definiu um foco de atuação que posteriormente estabeleceu a forma de fazer negócios com a música no Brasil. Sendo assim, foi criado uma estratégia que hoje é chamada de: Segmentação de Mercado – sua finalidade é direcionar produtos e serviços para atender a determinadas parcelas da população. O objetivo deste mapeamento é para que a indústria cultural tivesse conhecimento claro das possibilidades dos seus projetos no mercado e com essas informações possa criar uma estratégia comercial; ou seja, ao se pensar em um novo produto, os executivos das gravadoras baseados no mercado existente se faziam várias perguntas, como: que tipo de música é? Para quem essa música será vendida? Será um produto realmente competitivo? Não era interessante lançar um produto isolado, fora das referências formadas pela indústria de entretenimento, chegando ao ponto de afasta como risco inútil aquilo que ainda não foi experimentado.

Concluindo, no início do século XX tínhamos três definições distintas: “música clássica”, “música folclórica” e “música popular”. Entretanto, da mesma forma que associaram a ideia de música arte ao termo música clássica, posteriormente aconteceu com a expressão música folclórica ao termo música popular, pois subtendia-se que a música folclórica tinha uma popularidade significativa dentro de um segmento de mercado. Evidencio que essas rotulações determinadas pelas gravadoras foram inspiradas por meio alguns conceitos científicos constituídos pela musicologia; como regras para definir segmentos mercadológicos, ou seja, as músicas e as canções foram definidas pela forma e pelo conteúdo dos temas.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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IMAGEM

Figura - No autirório da Rádio Difusora de Caruaru - PE no final da década de 1950. Destaco na fotografia o sanfoneiro Camarão. Foto: NID.







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