CENÁRIO CULTURAL
No mundo acadêmico resiste um entendimento que cada cultura é resultante de um construir particular, incluindo suas relações com outras culturas. Por meio desta argumentação compreendemos que não existem superioridades quando se fala de cultura, todas são importantes independente do suposto “grau de evolução” de determinada sociedade. Através de nossos estudos entendemos a cultura intitulada de Forró como uma cultura híbrida; ou seja, a cultura híbrida é reconhecida como uma mantenedora de um padrão cultural de origem, enquanto dialoga com outras formas de valores e olhares sobre o mundo. Por meio deste entendimento, compreendemos que o hibridismo é o diálogo e a combinação entre culturas, que geralmente acontece dentro de um grupo social distinto quando se vê diante de novos referenciais culturais. Cabe os professores de música e dança do Forró de Raiz através do ensino fortalecer a história cultural dos ancestrais e ao mesmo tempo abrir caminhos para o conhecimento de outras culturas sem perder a essência constituída outrora. É nesse momento que acontece a hibridização.
Um dos principais fatos causadores de um grande choque cultural no Brasil foi em 1808, com a vinda forçada da Família Real portuguesa para o Rio de Janeiro, que apresentou ao Brasil outras formas de convivência e novas oportunidades de diversão, que foi assimilado ao longo do século XIX. Anteriormente no Brasil as sociabilidades mundanas eram em pequenas proporções; ou seja, de forma mais restrita, sendo relegadas à arraia-miúda. Entretanto para as “boas famílias” tanto as convivências, como as festividades eram realizadas apenas ao plano religioso (novenas, missas, procissões, entre outros) ou político (nascimento de príncipes, casamentos ou aniversário de reis e rainhas portugueses e seus descentes). Em 1815, o Rio de janeiro foi promulgado capital do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarve, tornando-se o centro cultural onde passou a existir um novo cenário, caracterizado pelo conceito mundano nas festas e reuniões sociais dando um novo tom às relações sociais no centro cultural da época, a cidade do Rio de Janeiro.
Então onde antes as festividades e o lazer estavam geralmente atrelados aos ritos básico da vida como o nascimento, o batismo e o casamento, neste momento era inserido outros tipos de eventos comuns na Europa no século XIX, que eram realizados por um público privilegiado e seleto pertencente a aristocracia e a burguesia. É relevante citar que a sociedade brasileira estava conhecendo diversas mudanças estruturais, fosse elas físicas com transformações na paisagem urbana, como também cultural, o comportamento das elites gradativamente foi se alterando, buscando adaptar e se equiparar àquele que era considerado como o exemplo máximo de civilidade; o europeu, mais precisamente o francês. Usos e costumes foram importados e introjetados por uma elite burguesa. O cenário cultural sofreu grandes modificações em relação às primeiras décadas do século XIX, no período aproximadamente compreendido como II Império (1841-1889), a sociedade brasileira novamente conheceu diversas mudanças estruturais, como o crescimento da urbanização e a ampliação das funções urbanas e da influência da cultura europeia (especialmente da francesa).
A elite dominante brasileira se apropriou e utilizou dos pressupostos ideológicos norteadores da modernização urbanística, como a higienização, o embelezamento e a racionalização do espaço urbano de forma a justificar as intervenções no tecido urbano da cidade, provocando uma grande transformação em várias cidades brasileiras, sobretudo naquelas de crescimento emergente: a capital federal, as mais importantes capitais estaduais e cidades portuárias. Nesse período, o desejo dos administradores públicos de transformar o meio físico dessas cidades de modo a torná-lo civilizado e moderno passou a ser mais possível e crucial. Havendo assim uma reforma no espaço urbano que possibilitou novas mudanças estruturais e culturalmente. Fato que contribuiu para isso foi o processo de transferência da residência dos fazendeiros do campo para a cidade; pois à medida que os fazendeiros se mudaram para os grandes centros, cresceu a tendência em promover melhoramentos urbanos.
Melhorou o sistema de calçamento, iluminação e abastecimento de água. Aperfeiçoaram-se os transportes urbanos. O comércio urbano ganhou novas dimensões, bem como o artesanato e a manufatura. Aumentou o interesse pelas diversões públicas, então foram criados locais propícios para celebrações, como: passeios públicos, cafés-concerto, casas de chope, circos, teatros, clubes, os cinemas dentre outros. Destaco que o interesse pela música religiosa entrava em um lento processo de decadência, que atingiu seu apogeu com a tendência de depuração do “funesto influxo que sobre a arte sacra exerce a arte profana e teatral”, regulamentada no Motu Proprio do Papa Pio X. É relevante citar que neste período de transição onde a cultura secular aristocrática e burguesa começou a predominar diante da cultura sacra. Sendo assim, foi estabelecido um processo de imigração dos gêneros musicais aristocráticos e burgueses estrangeiros e os instrumentos de origem europeia no Brasil desde o final da primeira metade do século XIX.
No II Império tornaram-se tão comuns nas diversões da elite brasileira da segunda metade desse século que contaram com a contribuição da grande maioria dos autores que atuaram até o final do período monárquico, mesmo quando preferencialmente dedicados à ópera ou à música religiosa. Sendo assim, em 1856 surgiu o primeiro álbum com músicas impressas no Brasil, chamado: “Rio de Janeiro: Álbum pitoresco-musical”. Ele é composto de 7 músicas nos gêneros musicais: Schottisch, Quadrilha, Polca, Valsa, Redowa e Mazurca, com nomes de regiões da Província do Rio de Janeiro (a maioria da cidade do Rio). Paralelamente, desenvolvia-se dentro da cultura considerada ínfera a prática de canções nos gêneros musicais brasileiros: modinha, lundu, coco entre outros. Destaco que foi surgindo uma nova classe de instrumentistas, geralmente de origem negra ou mestiça, nos subúrbios das capitais estaduais e cidades portuárias.
Esses músicos além de tocarem os gêneros brasileiros que se desenvolviam desde o século XVIII, como: o lundu e o batuque, passaram a formar conjuntos regionais para tocar de "ouvido" os gêneros musicais europeus. E acreditasse que foi nesta ocasião que foram agregados elementos das músicas africanas, indígenas dentre outros; junto aos gêneros europeus já citados. Então, através desta mistura de elementos musicais nasceu uma maneira abrasileirada de executar os gêneros europeus. De início, era apenas uma maneira mais emotiva de interpretar, contudo aos poucos, a música gerada sob o improviso sincopado, repleta de ornamentos e improvisações, foi perdendo as características dos seus países de origem. Essa adaptação gerou secundariamente, uma descriminação propagada pela sociedade brasileira, que a identificou como música destinada à arraia-miúda, pelo motivo da prática de danças consideradas ordinárias. Esses conjuntos musicais proliferaram no subúrbio da cidade, estendendo-se secundariamente ao campo brasileiro.
O trabalho deste blog é fomentando por apoio coletivo, sendo assim, se você gostou desta literatura e tem o interesse de ajudar o blog a continuar ofertando conteúdos de pesquisas relacionados ao patrimônio imaterial brasileiro, intitulado de Forró de Raiz ou Pé de Serra. Poderá doar um valor simbólico através do pix: salatieldecamarao@gmail.com, além de deixar seu comentário, inscrever-se, compartilhar e dar um like.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
ADORNO, Theodor Adorno W. Indústria cultural e sociedade. Seleção de textos Jorge Mattos Brito de Almeida, traduzido por Juba Elisabeth Levy. — São Paulo; Paz e Terra, 2002.
BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1994.
CASTAGNA, Paulo (Org.). Colóquio Brasileiro de Arquivologia e Edição Musical. 2.ed. Minas Gerais: Fundação Cultural e Educacional da Arquidiocese de Mariana-FUNDARQ, 2004.
COSTA, E. V. da. Da Monarquia à República: momentos decisivos. 6.ed. São Paulo: Brasiliense, 1994.
FOLLIS, Fransérgio. Modernização Urbana na Belle époque Paulista. São Paulo: Unesp, 2004.
MIDDLETON, Richard. Studying Popular Music. Philadelphia: Open University Press, 1990.
NAPOLITANO, Marcos. A síncope das idéias: a questão da tradição na música popular brasileira. In: Coleção História do Povo Brasileiro. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2007.
IMAGENS
Figura 1 – Imagem do grupo Turunas da Mauriceia no final da década de
1920. NID.
0 Comentários