O PRECONCEITO COM A DANÇA POPULAR


    Como já foi narrado em outros textos aqui no blog, friso que o fim do Império Romano do Ocidente, não apenas o mundo antigo se desmantelava, e também uma nova civilização que estava se formando: a civilização medieval. Nesse período, a igreja reinou soberanamente e controlou praticamente toda a vida social. Foi considerada na época como a única instituição em condições de limitar a violência endêmica que marcava a sociedade, em ponto normas e punições; sendo assim, ela assumiu o papel de constituir normas de conduta e modos de pensamento, impedindo qualquer manifestação que contrariasse sua doutrina. O clero(1) lutou para eliminar os costumes pagãos que se chocavam com a moralidade cristã. Entre os pecados condenados e sujeitos a severas penitências vinham em primeiro lugar: a violência e o assassinato(2), em seguida, vinham os pecados sexuais, como: a poligamia, o concubinato e o incesto. Segundo o clero, atividades que estimulassem a prática desses pecados deveriam ser proibidas, como por exemplo: as danças pagãs. 



    Portanto, a dança foi difamada e perseguida por décadas. Aqueles que administravam a igreja católica na época enxergavam a dança como uma ferramenta de resistência para a cultura secular(3) e uma ameaça aos seus interesses no processo de catequização. Então, o clero propaga um discurso que o corpo por meio da dança provoca pensamentos imorais nos fieis, isto é, a dança popular seria uma ferramenta do inimigo para seduzir o povo ao pecado. Essa argumentação é propagada e difundida até hoje. À vista disso, lhe ofereço um exemplo com o intuito de esclarecer esses preconceitos sobre o corpo na dança. Sendo assim, vamos visualizar em nossa imaginação, uma mulher nua ou um homem nu; ressalto que o corpo em questão, deverá ser imaginado como "belo" e atraente. Após sua construção imagética, vamos introduzi-la em um contexto, onde essa figura será observado por três personagens; o primeiro será um médico, com quem irá se consultar, o segundo será um pintor para quem ela estará posando para a realização de uma obra artística e finalmente, o terceiro personalidade que será um possível amante.

Destaco que esse corpo criado por sua imaginação estará em três cenários distintos, entretanto, as relações entre quem olha e quem é observado são diferentes, pois as experiências visuais são específicas, isto é, cada olhar tornar-se próprio, esclareço. O olhar do profissional da medicina concernirá clínico e técnico, ou seja, esse corpo será decomposto em unidades orgânicas, funções, sinais e sintomas. Logo, a satisfação que eventualmente resultará do encontro médico será o restabelecimento da saúde. Nesta situação, o sexo é uma função fisiológica entre outras. Já o olhar do pintor focalizará fragmentos e aspectos, cujo tratamento gráfico permitirá uma interpretação do corpo e até mesmo da pessoa. Mesmo que se assemelhe a um retrato fiel, a obra de arte consistirá em uma reinvenção do corpo observado. Neste caso, o sexo será apenas um dos possíveis sentidos da linguagem pictórica. Agora, na vivencia dos supostos amantes, a nudez é erótica e carregada de sensualidade, na medida em que o sexo constitui a natureza da relação ou uma de suas dimensões mais importantes. 

Em suma, na hipótese problematizada, observamos que o mesmo corpo, poderá ser visto diferente, dependendo das relações que se estabelecem entre quem olha e quem é olhado. Essa diferença não expressa mudanças do corpo observado. O que muda, portanto, são os olhares, ou melhor, as relações nas quais se projetam esses olhares e as condições em que esses olhares produzem visões do corpo. Concluindo, a visão das coisas e das pessoas é carregada de expectativas e sentimentos, valores e crenças, compromissos e culpas, desejos e frustrações, logo, não há pureza nem objetividade no olhar. Através deste entendimento, compreendemos que ver é relacionar-se, ou seja, as diversidades de preconceitos disseminados de uma forma simbólica no subconsciente da população não é confeccionado pelos corpos da dança popular, mas, produzidos pelo olhar de quem as observa.

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TEXTO ATUALIZADO - 05/12/2023.

RODAPÉ
1- São as pessoas que trabalhavam para a igreja: os padres, as freiras, os frades e seus superiores, enfim, esse conjunto era chamado de clero, que recebe esse nome ainda hoje.

2- Outras práticas consideradas pecados, eram: mágicas, feitiçarias e adivinhações, típicas das regiões pagãs.
3- O estilo secular contém as músicas destituídas da temática religiosa. Por volta dos séculos XVIII e XIX, a Igreja Católica denominava essas músicas como profanas ou hereges pertencente a um estilo mundano. Nas definições atuais que colaboram para a continuação da História da Música, o termo Música Secular refere-se a qualquer tipo de composição musical que não tenha cunho religioso. Contudo, dentro do mercado musical às que são voltadas para religião recebem a categoria de Música Gospel (que significa em inglês “evangelho”), portanto refere-se tanto as composições católicas como protestantes. Todavia, as denominações cristãs intituladas protestantes preferem adotar o termo Gospel, para separar suas músicas das músicas católicas; contudo essa diferenciação só existe dentro dessas denominações.



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